O escritor, advogado e comentarista político Paulo Figueiredo foi vítima de censura pelo jornal Diário do Amazonas neste sábado, dia 8 de outubro de 2016, de acordo com denúncia feita nas redes sociais pelo censurado.
Figueiredo assina há anos uma coluna no jornal em que comenta a política local e brasileira e também fatos do Amazonas e da sua querida cidade de Manaus.
Suas críticas são sempre ácidas contra os gestores municipais, mas com inteligência e elegância, sem ofensa pessoal.
O artigo censurado pelo Diário do Amazonas trazia o título “Voto Marcelo”, retratando seu posicionamento diante do processo eleitoral de segundo turno que corre em Manaus neste momento.
A censura a Figueiredo pelo jornal não foi suficiente para impedir a liberdade constitucional que o articulista tem de se expressar. O artigo está publicado no site Amazonas Atual e na página do articulista no Facebook, alcançando um público infinitamente superior aos poucos leitores que atingiria pela via impressa.
“O artigo foi censurado pelo jornal Diário do Amazonas, sem qualquer justificativa, onde escrevo há muitos anos”, escreveu ele no post.
Figueiredo informa que a partir de hoje não escreve mais para o jornal.
Leia o artigo censurado e outro de autoria de Paulo Figueiredo, de 2015, também com crítica ao tratamento dado a Manaus pela prefeitura.
“MEU ARTIGO DE SÁBADO (CENSURADO PELO JORNAL DIÁRIO DO AMAZONAS)
Voto Marcelo
Nestas eleições para a Prefeitura de Manaus, havia tomado a decisão de votar nulo, no primeiro e segundo turnos. No entanto, mudei de ideia, fruto de uma reflexão mais apurada, e votarei em homenagem a Manaus.
Meu voto é de protesto, contra tudo o que fizeram contra a cidade. Manaus anda tão abandonada, tão maltratada, que dá pena, de cortar o coração de quem a ama de verdade. Suas ruas e avenidas, com calçadas raras, nunca estiveram em condições tão precárias, tão arrebentadas, verdadeiras pistas de tobogã, um tormento para os pedestres e proprietários de veículos automotores. O trânsito é caótico, dos mais pesados e congestionados do Brasil, em termos relativos, sem que nenhuma das soluções prometidas há quatro anos tenha sido implementada pela administração municipal. No longo período, nenhuma nova via e nenhum novo corredor foram abertos ao tráfego, a fim de suportar ou minorar o fluxo crescente de carros postos a circular todos os dias na urbe. No horizonte, nem ao menos qualquer sinalização no sentido do transporte de massa, com modais possíveis e conjugados, únicos capazes de resolver os graves problemas de locomoção urbana de grandes contingentes populacionais.
Desfigurou-se ainda mais o rosto da cidade e não há nenhuma obra digna de registro e muito menos de aplausos. A região central, com alguns remendos equivocados, tocados sem planejamento, o improviso indefectível, mostra-se em processo de franca e acelerada decadência urbanística. Não há integração do grande e tradicional comércio no Centro, instituído ao longo de muitos anos, com os prédios e monumentos que insistem em revelar a história de Manaus, como mal ou bem havia em nosso tímido passado de província. E, mesmo assim, nada se fez ou faz para alcançar esse propósito, nenhum projeto assentado em valores culturais pretéritos, sólidos e respeitáveis, como forma de valorização do sítio que serviu de berço para o nascimento da cidade, entregue a predadores de várias origens e matizes.
Se os locais mais nobres e visíveis de Manaus encontram-se em estado lastimável, bem mais grave é a situação de suas áreas periféricas. Em seus bairros mais distantes, a desassistência é absoluta e a ausência do poder público é patente em todos os aspectos. A inexistência de saneamento básico, presente em assentamentos desordenados, com esgotos a céu aberto e valas negras, com a omissão em relação a serviços públicos primários, como direito elementar de qualquer habitante da cidade, dão o tom da irresponsabilidade e da falta de compromisso com os segmentos mais sofridos e desamparados da sociedade.
O quadro é dramático, em todos os setores da gestão pública, cuja relação é dispensável, porquanto bastante repisada e por isso mesmo tediosa. Manaus é uma cidade complexa, intumescida em dimensões intoleráveis, vítima de uma onda migratória permanente, na condição de polo de atração operada pelo modelo Zona Franca. Trata-se de uma singularidade que a torna extremamente vulnerável e dependente de recursos financeiros a serem aportados pelos governos estadual e federal, sem os quais é difícil ou impossível administrar o Município. Lá atrás, durante a campanha de 2012, esses óbices foram levantados e muito bem expostos, mas em nenhum momento considerados. Importava ganhar a qualquer preço a eleição, nem que para tanto a realidade fosse escamoteada, com o discurso fácil de que tudo a seu tempo se resolveria, ainda que em campo oposto ao poder central e a suas indispensáveis dotações. Ciente de que os empecilhos não seriam vencidos e sem admitir a candidatura alternativa, certamente pior, optei pelo voto nulo, que advogo como válido, desde que não haja outras possibilidades merecedoras do sufrágio confiável.
Bem, deu no que deu, na irremediável falência de projetos desde sempre irrealizáveis, sepultadas de vez as promessas eleitorais demagógicas, inviáveis e impossíveis de serem cumpridas. Assim, tinha-se que encontrar um bode expiatório: no primeiro momento, o governo federal e seus representantes, antigos inimigos e agora aliados; a seguir, o governo estadual e seus representantes, antigos aliados e agora inimigos. Extremamente frágil, como estratégia, a retórica não convence, apesar de dita e repetida com a conhecida e proverbial veemência, sobremodo porque jamais poderá justificar os graves erros e a inércia do mandato político municipal.
Diante de tantas razões, vejo-me votando em Marcelo Ramos e nele voto fundamentalmente pela alternância de poder. Salvo engano, e faço a ressalva em homenagem aos anos que já me são longos, ouvi de quem hoje disputa mais um mandato que jamais seria candidato à reeleição, presidido pela mesma preocupação que resolvo observar, da rotatividade nos cargos eletivos. De mais a mais, Marcelo é jovem, indica mudança. E, no albor da vida pública, pode guardar inspiração nos sentimentos que fizeram a nacionalidade tomar conta das ruas e praças do país, exigindo moralidade, ética na política, honradez e operosidade no trato da coisa pública.
Estou apostando, vamos ver. Pelo menos, aqui nesta página e em outras tantas de ofício, vou cobrar.”.
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“A minha Manaus
Por Paulo Figueiredo – 11 de julho de 2015 – publicado no site Correio da Amazônia
Nestes tempos de crise, reproduzo em parte crônica que escrevi sobre a minha cidade, a pedidos. Manaus anda tão maltratada, uma tristeza, uma agressão a seus amantes irrenunciáveis.
“Mexendo em meus alfarrábios, encontrei cópia de uma entrevista que concedi ao jornalista Gilberto Barbosa, há mais de duas décadas. Gil, como era conhecido, amigo de longa data, hoje não está mais entre nós. Deve habitar as pradarias do além, como diria o poeta Ernesto Penafort, outro estimado amigo também já ausente.
Em sua coluna na imprensa local, Gil inaugurou um espaço semanal dedicado a Manaus. Nele, denominado “A minha Manaus”, recolheu entrevistas com críticas e outros sentimentos sobre a cidade e sua gente. Conseguiu revelar um quadro real da urbe na época e de suas perspectivas futuras. Havia muita sensibilidade poética, fruto da visão lírica do colunista.
Acompanhei-o no jornalismo desde o início. Fui testemunha do convite que lhe foi feito por Umberto Calderaro, a fim de que assinasse uma coluna social em seu jornal, num dos nossos finais de tarde no Key Club, piano-bar que ficava ao lado do Teatro Amazonas. No local, cultivávamos a melhor música e o melhor piano da Amazônia, sob a regência de Gil, ao lado de amigos queridos e de um bom uísque.
Bem, mas vamos à entrevista. É lamentável que tudo o que disse naqueles anos distantes pode ser reiterado, sem tirar nem pôr, vencidas várias administrações municipais. Reclamava que a cidade deixara-se violentar. Dizia que ninguém conseguia responder, de modo satisfatório, a indagação básica que identifica o grau de desenvolvimento da urbe, desde Fustel de Coulanges, em obra clássica, “A Cidade Antiga”: como mora, como trabalha, como se transporta e como se diverte o seu povo?
Lá atrás, nunca deixei de alimentar esperanças, embora ande descrente, culpa de meus cabelos brancos. Admitia que chegáramos a um ponto de exaustão e a que a ruptura com a situação estaria bem próxima, o que jamais aconteceu. Aqueles que se apresentavam como novos, como paladinos de métodos e transformações profundas, decepcionaram, porquanto foram fundo em práticas condenáveis.
A minha paisagem urbana continua inalterada e seguirá comigo para sempre, como disse na ocasião: ‘Manaus, pelo rio, pelo Rio Negro. Nada mais encantador e comovente do que chegar à cidade pelo rio. O barco fazendo bigode macio nas águas carameladas do Negro e o encontro com o cais, o velho ‘roadway’ da minha infância e adolescência. Dá uma pontada no peito lembrar dos passeios nas tardes de domingo pelo porto de Manaus. Do encontro com a namorada, do terno e doce aperto de mão e do beijo furtivo. De suas velhas lanternas de iluminação e de seus velhos carregadores, com seus carros de rodas metálicas, ruidosas e sibilantes sobre as tábuas soltas das passarelas do tempo dos ingleses. Do lenço solto no ar, na hora do adeus, com os olhos em véspera de lágrimas’.
Indignação, a mesma de sempre: o assalto às ruas por predadores que destroem tudo à sua volta, os novos hunos das urbes brasileiras, com o passado bastante desfigurado ou destruído.
E sobre as mais fortes recordações, dizia: ‘São tantas e tão plenas. Da luta política nos tempos de estudante, do Colégio Estadual, do Dom Bosco e do “footing” na Praça da Polícia e na Eduardo Ribeiro. Do “morcegar” nos bondes até o Alto de Nazaré e dos nossos antigos cinemas, do Guarani, do velho Vasco, e das sessões de arte no Avenida, com dona Iaiá e seu Aurélio. Dos encontros e paixões na penumbra do Politeama e da inauguração do Odeon. Os bares, o Bar Avenida, toalhas de linho branco, engomadas, o Bar Americano, o Restaurante Central, o restaurante do Grande Hotel, o Normal, o Ponto Chic, a Pensão Maranhense. Do cachorro-quente de carne moída do Mudinho, com sua banca em frente ao Guarani. Do sanduíche de pernil do português Messias, no Castelo de Bronze, e que molho, uma delícia guardada na memória gustativa. E dos salões de sinuca e bilhar, no Sombra e no Café da Paz. Do Café do Pina, onde discutíamos, varando as madrugadas, os destinos do mundo, de nossa pátria e de nossa gente. Depois, a ditadura, as prisões e a noite que parecia não ter fim’.
No final, a crença na cidade, a certeza de que um dia daríamos a volta por cima. No mais, bem, no mais, somente as melhores lembranças do nosso Gil, talento na pena e no piano, um estilo só seu, inimitável”.
Mais grave é que as expectativas não são nada animadoras, passados muitos anos. Paciência, um dia, talvez quem sabe?”.
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Foto: Reprodução/internet