A audiência realizada nesta terça, dia 19, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado foi cercada de tensão, acusações e discursos apaixonados.
A reunião foi uma prévia da votação dos projetos de decretos legislativos apresentados pelos senadores Eduardo Braga (MDB) e Vanessa Grazziotin (PCdoB), ambos do Amazonas, para derrubar decreto do governo federal contra o polo de concentrados de refrigerantes da Zona Franca de Manaus (ZFM),
Foi repetido o mesmo clima quente da penúltima sessão da comissão, no dia 13, quando senadores subiram o tom de voz e discussões paralelas chegaram a ser travadas, como entre o senador Omar Aziz (PSD) e a senadora Gleisi Hoffmann, a presidente nacional do PT.
Hoje novamente Omar se envolveu em discussão, desta vez quando disse que a senadora Ana Amélia (PP-RS), de tanto repetir prejuízo que seu estado teria com o decreto presidencial 9.394/2018, que ia acabar fazendo se tornar verdade um número mentiroso.
A senadora, que foi chamada à atenção por Omar por ter soltado um sorriso irônico quando Omar acusava o governo de mudar as regras diante de uma “crisezinha”, disse que usou dado oficial que recebeu. O presidente da CCJ, Edson Lobão (MDB-MA), precisou intervir para a sessão continuar.
Omar voltou a elevar o tom, agora com o reforço de Vanessa, quando quis saber do secretário de fiscalização da Receita Federal, Iágaro Martins , para onde iriam os R$ 740 milhões que o governo quer arrecadar com o decreto do presidente da República, Michel Temer (MDB).
Diante da resposta de Iágaro de que os recursos iriam para o orçamento da União, “para pagar saúde, educação …”, Omar não deixou nem o fiscal terminar de falar:
“Não, diga isso! É pra repor a redução [preço do diesel para caminhoneiros]. Ah, não faça isso! Não faça isso! É pra repor a redução de R$ 0,46 [Iágaro concordou]. Então, não me venha com esse discurso de que é pra saúde, pra educação…”, afirmou Omar.
Ao final da sessão, Omar retomou a palavra para dizer que sua defesa da Amazônia e da Zona Franca de Manaus vai ser sempre assim, com a razão, usando os números, mas também com o coração.
“E aí vão me perdoar. Não tem educação pela minha parte, não vai ter nenhum tipo de sobriedade, sempre vou agir da forma como tenho agido. Estou aqui para defender o meu estado, não estou aqui para agradar aqueles que querem prejudicar o meu estado. Fomos atropelados de uma forma que não merecíamos”.
Acusação de “golpe traiçoeiro”
Omar foi direto em acusar o governo federal, o presidente Temer, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, de terem articulado um “golpe traiçoeiro” contra a Zona Franca de Manaus.
“A Receita Federal deu um duro golpe na gente, premeditado há muito tempo. Na calada da noite, apunhalou um modelo que serve de exemplo para o controle de desmatamento na região. Um modelo que garante o desenvolvimento sustentável, defende e preserva a Amazônia”, afirmou.
A metralhadora giratória de Omar disparou ainda contra organizações de defesa ambiental, que não mandaram um representante sequer para os debates na audiência de hoje e nas sessões da CCJ.
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Bancada da ZFM faz defesa intransigente
Tanto Omar quanto Braga e Vanessa foram unânimes ao criticar duramente o decreto de Temer pelo prejuízo que causa ao polo de concentrados da ZFM e pelo precedente que o governo federal abre de alterar as regras constitucionais do modelo.
A bancada do Amazonas no Senado alertou na audiência da CCJ que o decreto presidencial fere a Constituição no ponto em que não permite surpresa aos contribuintes. No caso, a medida do governo não respeitou princípio de anterioridade, do período de 90 dias para alteração tributária.
Os senadores explicaram que, ao reduzir de 20 para 4% a alíquota do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), o governo não estava apenas fazendo uma alteração tributária, mas acabando com um incentivo fiscal assegurado aos investidores do setor.
Apoio importante de senadores
Os senadores Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Armando Monteiro (PTB-PE) acompanharam os colegas do Amazonas na avaliação de que o decreto de Temer não observou a “noventena”, causando insegurança jurídica para o setor produtivo.
Alertaram que por esse princípio constitucional é proibida a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu e antes de decorridos 90 dias da publicação da mesma lei.
“É evidente que de uma forma transversal estamos ampliando a carga tributária. Se vamos manter esse benefício ou não é outro debate. É uma improvisação que tem custo, que tem consequências econômicas, que tem consequências sociais”, disse Ferraço.
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Contrapartidas obrigatórias para incentivos fiscais
“Quando o constituinte estabeleceu a Zona Franca [de Manaus] não o fez para beneficiar a Coca-Cola ou a Ambev. Fez para beneficiar brasileiros esquecidos e abandonados na Amazônia, sem oportunidade de emprego e renda porque a eles é proibido explorar as riquezas e recursos naturais. Em contrapartida, constitucionalizou direitos ambientais severíssimos contra quem tenta desmatar a Amazônia”, afirmou Braga.
O senador lembrou ainda que os benefícios fiscais só são concedidos mediante a obediência a um processo produtivo básico (PPB) estabelecido para o uso de insumos regionais no âmbito da ZFM.
“Os guaranás Antarctica ou Kuat produzidos no Amazonas vêm do guaraná produzido em diversos municípios, principalmente Maués. Não vamos dizer aqui que o concentrado é apenas para Ambev ou Coca-Cola. Temos 31 empresas de concentrados que não fornecem somente para Coca, Pepsi e Ambev”.
Vanessa acrescentou que o decreto de Temer causará outro impacto negativo, que é o encarecimento do produto final, afetando as vendas e a arrecadação em todo o país.
A senadora acusou ainda o governo federal de prejudicar a ZFM para beneficiar importadoras de óleo diesel.
Com informações da Agência Senado
Assista ao vídeo da audiência na CCJ
Acompanhe a audiência no Senado sobre IPI dos concentrados de refrigerantes da ZFM
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado