Divisão mais sensível da Polícia Federal (PF), o Serviço de Inquéritos que investiga autoridades com foro privilegiado, o SINQ, trocou seis de seus oito delegados nos últimos quatro meses, depois de uma sequência de disputas internas em torno do destino dos inquéritos. Na origem da debandada, uma crise a respeito do orçamento secreto.
Delegados ouvidos pela equipe da coluna relataram que os primeiros alertas de irregularidades na aplicação do dinheiro das emendas de relator começaram a chegar para o setor no final de maio. Na ocasião, funcionários da Corregedoria-Geral da União (CGU) procuraram os colegas da PF para marcar uma reunião.
Os auditores da CGU diziam ter identificado indícios de desvio dos recursos e queriam discutir uma estratégia comum de investigação. Os delegados marcaram a reunião e comunicaram o chefe do setor, Leopoldo Lacerda.
Mas, ao saber que as duas equipes se preparavam para começar um trabalho conjunto sem a sua anuência, o diretor-geral Paulo Maiurino mandou cancelar o encontro.
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No lugar dos delegados, foi diretor de combate ao crime organizado da PF, Luis Zampronha, quem marcou uma reunião com a chefia da CGU, no dia 28 de maio na sede da PF, com o secretário de combate à corrupção e alguns auditores.
Mas do SINQ, só o chefe, Leopoldo Soares Lacerda, compareceu. No registro da agenda oficial de Zampronha, a CGU aparece como solicitante do encontro.
Os delegados só souberam que a reunião tinha acontecido depois, pelos mesmos auditores da CGU que os haviam procurado anteriormente, e cobraram o chefe do setor, Soares Lacerda.
Lacerda então levou os auditores para se reunir com a equipe, mas na reunião teria dito que as suspeitas já haviam sido rechaçadas. Os delegados protestaram, alegando que não se poderia descartar suspeitas sem investigação.
Embora a PF não se manifeste oficialmente sobre a disputa, internamente o que Zampronha e Lacerda tem falado é que não fazia sentido uma reunião preliminar para começar a discutir um trabalho conjunto ser feita por delegados e não pela chefia.
Nas conversas de bastidores, os chefes dizem que foram os auditores da CGU que disseram ainda não ter reunido provas de desvios em 2021 e que todas as brigas no SINQ foram provocadas por pessoas insatisfeitas com o espaço perdido quando Maiurino assumiu o comando da corporação.
Desde então, as divergências entre os delegados que investigam autoridades com foro no Supremo se acumularam, e aos poucos eles foram sendo substituídos.
Um caso que engrossou o conflito interno foi o do inquérito que investigou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, após a notícia-crime que apresentada ao Supremo pelo delegado Alexandre Saraiva.
Apesar de a ministra do STF Carmem Lúcia ter mandado instaurar o inquérito no dia 2 de junho, ele só foi aberto no dia 23, data em que Salles deixou o ministério.
Como ele já não tinha mais foro privilegiado, o inquérito foi enviado para a primeira instância sem nenhuma movimentação.
Os policiais do SINQ dizem que a demora foi proposital, enquanto a assessoria da PF informa que os prazos foram os normais para esse tipo de situação.
Em julho, o inquérito sobre a interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal também causou conflito com a chefia, em razão das diligências pedidas pelo delegado Felipe Leal.
O delegado foi afastado em agosto pelo ministro Alexandre de Moraes, que determinara a abertura de investigação, por considerar que as diligências investigariam atos do atual diretor-geral da PF Paulo Maiurino e não de Bolsonaro – como, por exemplo, apurações ligadas ao inquérito de Ricardo Salles.
No caso do orçamento secreto, o próprio ministro-chefe da CGU, Wagner Rosário, disse em outubro em uma audiência na Câmara dos Deputados que havia “vários casos” em investigação sobre vendas de emendas parlamentares.
Questionada a respeito de quantos inquéritos já foram abertos até hoje sobre irregularidades na aplicação dos recursos, a assessoria da PF informou apenas que “A Polícia Federal não se manifesta a respeito de eventuais investigações em andamento”.
No último dia 7, a ministra Rosa Weber suspendeu os pagamentos das emendas por liminar e determinou que sejam tornadas públicas todas as informações sobre os deputados que apadrinharam cada emenda, assim como os critérios de distribuição do dinheiro.
Dos R$ 16,8 bilhões reservados para as emendas de relator, R$ 9 bilhões já foram empenhados.
“Causa perplexidade”, escreveu Rosa Weber, “a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas”.
A ministra disse ainda que o orçamento secreto vem sendo liberado “por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das autoridades competentes ou da população lesada.”
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Foto: Getty Images