Incra suspende atividades em todo o paĂ­s por falta de recursos

A ordem foi enviada Ă s superintendĂªncias regionais pelo presidente do Ă³rgĂ£o, Geraldo Melo Filho (foto)

Publicado em: 14/05/2022 Ă s 07:14 | Atualizado em: 14/05/2022 Ă s 07:17

O Incra (Instituto Nacional de ColonizaĂ§Ă£o e Reforma AgrĂ¡ria) informou internamente nesta sexta-feira (13) estar sem nenhuma verba de livre destinaĂ§Ă£o e determinou a suspensĂ£o de atividades.

Entre elas estĂ£o os eventos de entrega de tĂ­tulo de propriedade a beneficiĂ¡rios da reforma agrĂ¡ria, aĂ§Ă£o que virou uma febre no governo Jair Bolsonaro (PL).

Em ofĂ­cio enviado no inĂ­cio da noite Ă s superintendĂªncias regionais, o presidente do Ă³rgĂ£o, Geraldo Melo Filho, traça um cenĂ¡rio de penĂºria orçamentĂ¡ria e ordena que mesmo atividades tĂ©cnicas de campo, como vistorias, fiscalizações e supervisões, devem ter autorizaĂ§Ă£o prĂ©via da direĂ§Ă£o, estando vedadas “quaisquer novas ações a serem iniciadas” que envolvam deslocamento e diĂ¡rias.

No ofício, obtido pela Folha, o presidente do Incra afirma que as ações da autarquia tem ocorrido graças ao direcionamento das chamadas emendas de relator, que é a verba federal controlada pelo Congresso Nacional, mas que nenhum centavo dessa fonte chegou em 2022.

“Como Ă© de conhecimento geral, as ações finalĂ­sticas do Incra tĂªm a totalidade de seus recursos como indicador RP-9 [rubrica das emendas de relator], pendentes de indicaĂ§Ă£o por parte do relator geral do orçamento. Nesse cenĂ¡rio, jĂ¡ estamos no mĂªs de maio de 2022 e, atĂ© o momento, este Instituto nĂ£o
teve disponibilizados recursos para esse fim, pelo fato de que todo o orçamento finalístico do Incra se
encontra indisponĂ­vel, e nĂ£o pode ser utilizado de forma discricionĂ¡ria pela Autarquia”, afirma Melo Filho no documento.

A Folha procurou a assessoria do Incra no final da noite desta sexta, mas nĂ£o conseguiu estabelecer contato atĂ© a publicaĂ§Ă£o desta reportagem.

Como mostrou a Folha, a gestĂ£o Bolsonaro transformou radicalmente o programa de reforma agrĂ¡ria brasileiro, que em todo o seu governo foi gerido pela bancada ruralista.

Em trĂªs anos, houve uma profusĂ£o de paralisações de processos, estrangulamento orçamentĂ¡rio, a quase total suspensĂ£o da aquisiĂ§Ă£o de terras e do assentamento de famĂ­lias, tendo o Incra direcionado seu foco a uma maratona de entrega de tĂ­tulos de propriedade Ă s famĂ­lias que foram assentadas pelas gestões anteriores.

A titulaĂ§Ă£o insere-se no objetivo polĂ­tico de esvaziar a influĂªncia do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) sobre os assentados, alĂ©m de buscar abrir uma frente eleitoral em um terreno tradicionalmente controlado pelos partidos de esquerda.

SĂ³ em 2022, por exemplo, Bolsonaro jĂ¡ participou de sete eventos de entrega de documentos de propriedade, ocasiões em que o clima se assemelha a palanque eleitoral, com beneficiados sendo levados ao palco para receber os papĂ©is das mĂ£os do presidente.

Na ordem de paralisaĂ§Ă£o das atividades distribuĂ­da nesta sexta, o presidente do Incra cita explicitamente os eventos de entrega de tĂ­tulo.

“Em razĂ£o da atual indisponibilidade de recursos para a execuĂ§Ă£o de atividades finalĂ­sticas da autarquia, informa-se que devem ser suspensas quaisquer atividades que envolvam deslocamentos para eventos, mesmo que entrega de tĂ­tulos, uma vez que os recursos deverĂ£o ser priorizados em ações entendidas como urgentes e obrigatĂ³rias pela Sede.”

A ConstituiĂ§Ă£o determina que os beneficiĂ¡rios da reforma agrĂ¡ria devem receber documentos relativos Ă  propriedade, inegociĂ¡veis por dez anos. HĂ¡ tĂ­tulos provisĂ³rios e definitivos, que sĂ£o concedidos apĂ³s um trĂ¢mite burocrĂ¡tico que envolve nĂ£o sĂ³ questões administrativas, como a evoluĂ§Ă£o da consolidaĂ§Ă£o do assentamento e da produĂ§Ă£o dos assentados.

Movimentos sociais, partidos de esquerda e especialistas sĂ£o contra a polĂ­tica atual de distribuiĂ§Ă£o de tĂ­tulos. Argumentam, entre outros pontos, que feita de forma isolada e sem planejamento irĂ¡ precarizar assentamentos e levar parte das terras a voltar Ă s mĂ£os de latifundiĂ¡rios e do agronegĂ³cio.

Veja a ordem expedida por Geraldo Melo Filho nesta sexta-feira.

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