O #Toadas Parintins prestou homenagem ao jornalista inglês Dom Phillips e ao indigenista brasileiro Bruno Pereira, assassinados na Amazônia, enquanto documentavam a vida dos povos indígenas isolados do Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas.
O último episódio da temporada 2022 do programa foi ao ar neste sábado, direto de Parintins.
Nele, os artistas Israel Paulain, Júnior Paulain, Edmundo Oran e Enéas Dias cantaram uma sequência de quatro toadas, que denunciam agressões à floresta, aos animais e aos povos tradicionais e indígenas que vivem na Amazônia. Todas as composições causaram grande impacto na arena do bumbódromo quando foram apresentadas.
Dom Phillips e Bruno Pereira foram mortos há duas semanas. Na quarta, 15, os assassinos mostraram onde os corpos foram enterrados .
As toadas são:
Unankiê (Ronaldo Barbosa) – Boi Caprichoso 1994 – 28 anos
Lamento de Raça (Emerson Maia) – Boi Garantido 1996 – 26 anos
Vale do Javari (Ronaldo Barbosa e João Melo) – Boi Caprichoso 1996 – 26 anos
Nações Extintas (Sidney Rezende e João Melo) – Boi Garantido 2001 – 22 anos
Vale do Javari
Uma das toadas fala especificamente do Vale do Javari. A composição, assinada por Ronaldo Barbosa e João Melo, leva o mesmo nome da região onde os dois profissionais foram mortos.
Servidor da Funai, o parintinense João Melo Farias trabalhou no Vale do Javari. Em Atalaia do Norte, chefiou a administração regional do órgão. A composição com Ronaldo Barbosa, também servidor da FUNAI na época, é uma das toadas icônicas quem têm tom de protesto.
A letra é cita nomes de rios da região (Ituí, Curuçá), povos indígenas (como os Matis Ituí), as riquezas naturais (como a madeira pérola), mas chama atenção batizando aquela região de “vale de lágrimas”. Remate dos Males, antigo nome do município de Benjamin Constant, e Estirão do Equador, distrito de Atalaia do Norte, são citações que mostram o grau de pesquisa dos compositores.
Vale do Javari (letra)
Javari Ituí Javari Curuçá Javari Itaquaí Bacia dos belos Matis Ituí Berço bravo dos Mayoruna-Curuçá Sina feliz dos Kulina Itaquaí Braço forte dos Marubo Javari Cacete de morte dos Kixitos Kaniuá á á…
Vale do Javari Vale das madeiras Perola á á… Palmeiras do Javari Dos índios arredios Perola á á…
Nada vale como um Vale de lágrimas Vale pela vida, pelo sangue dos Mayorunas
Pelo riso dos Matis Pelo viço dos Kulinas Pela arte dos Marubos Pelo cacete dos Korubos Pelo grito de guerra á á… Dos Kanamarís…
Ê ê ê iê iê ê…
Remate dos males Atalaia do Norte Estirão do equador
Pelo riso dos Matis Pelo viço dos Kulinas Pela arte dos Marubos Pelo cacete dos Korubos Pelo grito de guerra á á… Dos Kanamarís…
Ê ê ê iê iê ê…
Assista ao vídeo:
VIDEO
“Nações Extintas”
Melo também é um dos compositores de Nações Extintas, feita em parceria com Sidney Rezende , falecido em abril deste ano. Fora a qualidade musical indiscutível, a letra da música chama atenção por citar nomes de povos que desaparecem na história.
Nações Extintas (letra)
Sem terra, sem teto, sem grão Sem alma, sem rota a nação Nos primórdios do mundo de Deus Das tabas, florestas sem fim Destino de índio feliz Mas dias chegou caos e cruz O fogo Kariwa, arcabuz mañuçawa Minha terra mãe Pariana, Juruena, Cayarí Não te tenho mais Yabarana, Manaós, Aguarás Tudo o quanto amei Pirayuri, Tarumã, Condorí Branco já tomou Guanapuri, Mariáia, Guanamã Minha terra mãe Yamaruá, Uepurí, Gepuá Não te tenho mais Araazes, Baanary, Quimaú Tudo o quanto amei Yoriman, Buraí, Apirá Branco já tomou Cocuena, Managú, Caniarí Minha terra mãe Aguayra, Guarinuma, Ararawá Não te tenho mais Caratú, Waupés, Juruparí Tudo o quanto amei Jacamin, Cayana, Acebarí Branco já tomou Aragatú, Zapucaia, Barés Ô Ô Ô Ô Ô
Alerta ambiental
O compositor, poeta, ritmista, Emerson Maia , falecido em 2022 por complicações da covid-19, tem um vasto leque de composições. Mas em “Lamento de Raça”, composta em 1996, que ele marcou com seu nome o repertório de músicas com temática ambiental.
Lamento de Raça (letra)
O índio chorou, o branco chorou Todo mundo está chorando A amazônia está queimando Ai, ai, que dor Ai, ai, que horror O meu pé de sapopema Minha infância virou lenha Ai, ai, que dor Ai, ai, que horror Lá se vai a saracura correndo dessa quentura E não vai mais voltar Lá se vai onça pintada fugindo dessa queimada E não vai mais voltar Lá se vai a macacada junto com a passarada Para nunca mais, voltar Para nunca mais, nunca mais voltar Virou deserto o meu torrão Meu rio secou, pra onde vou? Eu vou convidar a minha tribo Pra brincar no garantido Para o mundo declarar Nada de queimada ou derrubada A vida agora é respeitada todo mundo vai cantar Vamos brincar de boi, tá garantido Matar a mata, não é permitido
Ritual indígena
Ronaldo Barbosa compôs Unankiê para boi Caprichoso defender o título em 1994. Naquele ano, o tema do boi foi “Capricho dos Deuses”. A palavra título significa um ritual indígena do povo Yanomami.
Unankiê (letra)
Unankiê, unankiê, unankiê, ê, hê Unankiê, unankiê, unankiê, ê, hê Ô, ô, ô
Meu rio chorando de dor Num clamor quase mudo Ferido no leito pelo branco invasor
A mata em silêncio reclama A terra ferida no ventre Desnudaram teu chão
A cobiça rompeu o seio da selva E levaram o ouro que é teu
E o guerreiro da taba sagrada Guerreiro da tribo Tupi, banido da nação Sai sangrando da grande batalha Cai ferido no chão, ô, ô, ô
Chora meu povo, chora minha terra Chora minha nação Chora o Inca, chora o Omágua Chora Parintintin ô, ô, ô
Yanomami lançaram Suas flechas, a-há! Yanomami seu grito de guerra Explode no ar, hei! Heia, heia, heia, heia, heia
O programa #Toadas foi realizado em frente ao Palácio Cordovil, que está sendo transformado pela Prefeitura de Parintins para virar o Museu da Cidade.
Foto: BNC AMAZONAS