Uma indígena amordaçada com uma bandeira do Brasil, estilizada, abriu a noite de apresentação do boi Garantido na primeira noite do Festival Folclórico de Parintins. A figura fez parte do primeiro conjunto alegórico e pôs no Bumbódromo a porta estandarte, Daniela Tapajós, que chegou e tirou a máscara da mulher, enquanto Israel dizia que “ a mãe do Brasil é indígena”.
Neste momento, David Assayag cantava a toada “Amazônia do povo vermelho – tempo de luta ”.
Não foi um protesto isolado. O discurso do apresentador do boi, Israel Paulain, já antecipava o ato. Em sua chegada, Israel disse que aquela noite seria “um manifesto artístico. Porque o Garantido é democracia, liberdade e ciência. Conhecimento e educação. Humanidade e solidariedade”.
Durante anos, o boi costumava apostar no folguedo junino no dia 24, dia de São João. Este ano, porém, pelo menos na primeira, sua aposta foi no tema indígena com forte apelo social e político.
Coreografias
Ao som da toada “Pátria Indígena”, o grupo de dança urbana Gandhi Cats, de Manaus, com figurantes do Liceu Cláudio Santoro, de Parintins, representaram o ritual Kuarup, da região do Xingu, no Tocantins.
Caboclo pescador
Na apresentação da figura típica regional, o Garantido homenageou os pescadores da Amazônia na figura do seu fundador, Lindolfo Monteverde, que morreu em 1979 aos 77 anos. Lindolfo era poeta popular, compositor e criou o Garantido saindo nas ruas com batuqueiros e o boi de pano, seguido pelos cavalinhos da vaqueirada. O boi Garantido saiu de dentro do coração do imenso boneco do ‘mestre’ Lindolfo.
Empoderamento feminino
O discurso contra a sociedade patriarcal fez parte da apresentação das tuxauas, item 14 de julgamento. “O Garantido contra o patriarcado. As mulheres estão e estarão onde quiserem”, disse Israel, chamando as cacicas, pela primeira vez em substituição aos homens que sempre foram os responsáveis pela performance. Destaque, neste momento, para a voz de Márcia Siqueira, a única mulher que já foi apresentada no festival como levantadora de toadas.
Lenda Amazônica
Ainda falando sobre o empoderamento feminino, o ritual apresentou a história da Honorato e Caninana, duas cobras místicas, nascidas da mesma mãe, viventes dos rios e igarapés. Honorato, o irmão, tinha inveja da irmã, que era bondosa e pacífica.” Em determinado momento, Honorato não suporta mais ver a irmã, Caninana, arruinando o ambiente amazônico onde habitam os seres humanos”.
A luta de irmãos acaba com a vitória de Caninana que se desencanta e surge na figura da cunhã-poranga, Isabelle Nogueira. Mas quem prestou atenção à fala do apresentador, pode notar que aquela performance era um apelo contra o feminicídio.
Ritual
O item 4 de julgamento foi o ritual do povo Krahô no qual o Pajé ressuscita uma pessoa que não estava pronta para morrer. A sinopse apresentada para os jurados explicava que “para os Krahô, aquilo que denominamos “morte” ocorre quando o espírito (karõ) abandona definitivamente o corpo e passa a morar entre os espíritos do outro mundo (mekarõ). Quando karõ deixa o corpo humano, ele jaz desfalecido. Se a pessoa não está esperando morrer (caso dos mais jovens), os parentes são orientados a não chorarem, pois o choro é lido como um indicativo de que a morte foi aceita. O ritual consiste na ressurreição daquele que ainda não estava pronto para morrer”.
O pajé Adriano Paketá foi a figura protagonista do ritual que, no discurso proposto pela atual gestão do Garantido, o ritual foi uma citação às perdas humanas com a covid-19. Pessoas que partiram fora da hora.
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Foto de capa: Euzivaldo Queiroz/ Pawe News
Fotos internas: Márcio Costa/ AMemPauta e Lucas Silva/Secom