Desde que começou, em 1957, foi quando passou a ser realizado na antiga bola da Suframa, a praça Francisco Pereira da Silva, que o Festival Folclórico do Amazonas ganhou força.
Em parte, tal impacto sobre sua popularidade se deve ao fato de aqueles bairros da zona sul de Manaus compõem uma das periferias mais antigas da cidade.
Anteriormente, o festival ocorria onde hoje é o Colégio Militar, no centro.
Interessante notar que parte desses bairros foi planejada para serem moradias dos funcionários do distrito industrial da Zona Franca de Manaus (ZFM), como o Japiim 1 e 2, os conjuntos 31 de Março e Atílio Andreazza. Os bairros não planejados ao redor também surgiram em função do distrito, pois nele trabalhavam a maioria de seus moradores.
Podemos deduzir que os operários do distrito gostam de fazer festa para desanuviar das máquinas.
Assim, a partir da história dessa festa também podemos compreender um tanto da história de nossa cidade.
Parintinização da festa
Atualmente, presenciamos outra mudança que fala sobre a nossa história recente.
A apresentação dos bois-bumbás de Manaus, que neste ano são Corre Campo, Galante e Garanhão, há anos fazem o encerramento e as apresentações mais esperadas do Festival Folclórico do Amazonas.
Neste ano, suas apresentações ocorrerão à parte da arena do centro cultural Povos da Amazônia, construído sobre a antiga bola da Suframa.
A mudança para o sambódromo se dá em função de um fenômeno que é chamado pelo sociólogo Wilson Nogueira de parintinização das festas populares da Amazônia.
Assim, os bois de Manaus vêm sendo levados a aderir a certo padrão estético de espetáculo característico dos bois Caprichoso e Garantido, de Parintins.
Isso os leva a produzir alegorias maiores. E para tanto, aproveitam a estrutura dos galpões das escolas de samba, ao lado do sambódromo.
Porém, as alegorias são apenas um dos aspectos do fenômeno. Há ainda a especialização das danças, da música, das fantasias e dos discursos que são levados à disputa. E dos profissionais das artes de Parintins, que vão a Manaus trocar saberes e experiência na festa.
Aos olhos desavisados, pode parecer que se perdem certas características tradicionais para aderir a outras importadas.
No entanto, o que se percebe em fenômenos como esse é que se apropria de uma técnica nova, no caso uma “fórmula” para espetáculo, justamente para fortalecer o que há de importante.
O próprio boi-bumbá de Parintins passou por esse processo.
Na segunda metade de 1980, quando da inauguração do bumbódromo, aderiu à fórmula estética do carnaval carioca. Porém, a partir dela, criou algo diferente, que passou a ser a sua identidade.
O boi-bumbá Corre Campo, o mais velho dos bois de Manaus, com 81 anos, esforça-se para manter suas tradições.
Neste ano, dedicou um dos ensaios técnicos, no dia 25 de julho, para fazer o seu tradicional batizado.
Pela primeira vez, o amo mais velho dos bois, o Zé Preto, não pode proferir seus versos de batizado por problemas de saúde. Quem o fez foi o atual vice-presidente e membro do conselho de artes e cultura do boi. Seu pai, de quem herdou o nome, Alvatir Carolino, também era guardião do Corre Campo.
Assim como o Alvatir, no Corre Campo há gerações de brincantes.
Cristina Uchoa, 49 anos, secretária de logística, começou a brincar no boi vermelho aos 9 anos, como índia guerreira.
Foi levada pelo pai, Júlio César, sócio-fundador do boi da Cachoeirinha.
Ela fundou o Movimento Batucada e atualmente é diretora-geral do segmento.
Dois de seus filhos, Alexandra e Alexandre, coordenam os naipes de chocalho e caixinha, respectivamente. Outro filho seu, o Marcos, também atua na logística.
No entanto, dos bois de Manaus, o Corre Campo é o que mais tem exibido na arena a fórmula parintinense.
A notar que, desde a contratação de Fred Góes, glorioso diretor de espetáculo do Garantido, em 2018, o Corre Campo ganhou quatro festivais do pentacampeonato que ostenta.
Junto ao tradicional batizado, no dia 25 de julho, Fred Góes dirigia o ensaio do ritual Bahsese, que será realizado pelos indígenas tukanos do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi de Manaus.
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As temáticas em pauta
O Corre Campo defende o tema “O boi do Brasil”.
Já o Garanhão desenvolverá o tema “Camadas de história cabocla”.
O boi verde e branco do Educandos foi fundado em 1991. Já em sua primeira gestão teve a primeira vice-presidenta dos bois de Manaus, Edna Moraes, contou a atual presidenta Altelia Ribeiro.
Ela destaca ainda que sua gestão tem muitas mulheres, como a coordenadora da batucada. No último ensaio de tribos antes do espetáculo, ela explicou que os grupos de dança se preparam desde abril.
A maior parte das brincantes do Garanhão é do bairro de Educandos. Parte dos ensaios acontece no centro social e cultural Zulândio Pinheiro, que tem vista para o rio Negro. O espaço é referência antiga da boêmia da cidade.
Na década de 80, abrigou a escola de samba Em cima da hora, que não existe mais.
Atualmente, lá ocorrem diferentes atividades. Entre elas, os ensaios do Garanhão e as aulas de dança do estilo caribenho zumba, projeto da prefeitura para promoção da saúde nas comunidades. A turma de zumba inclusive compõe uma das quatro tribos do Garanhão.
O boi de Educandos conta ainda com a colaboração de outra comunidade esverdeada.
Diretamente do Morro da Liberdade, os quadrilheiros da Funk na roça defenderão o item tribo coreografada. Michel Magalhães, o coreógrafo, trabalhou em anos passados na mesma função para o boi Garantido. Ele comanda os 120 dançarinos das tribos do Garanhão e promete inovar a partir de sua experiência com a dança de rua.
Outro item que retorna à sua comunidade de nascimento é Gabriel Ferreira.
Até 2021, ele era apresentador do boi Corre Campo, agora chamado por ele de contrário. Gabriel cuja mãe era torcedora do Garanhão, diz “voltei de fato para casa”.
Na rivalidade dos bois de Manaus, também não se pronuncia o nome dos adversários.
Reforço de peso
A novidade parintinense do boi de Educandos é o amo do boi, item que será defendido por Adriano Aguiar, exaltado como o maior nome entre os compositores da atualidade no boi Caprichoso.
O mais jovem na disputa é o boi Galante, nascido em 1993, no bairro Zumbi dos Palmares, na zona leste.
Ele ostenta o mapa do Amazonas em sua testa. Por isso, suas cores são o azul, amarelo e vermelho.
Atualmente, sua comunidade tem sido o bairro da Praça 14, zona sul.
O Galante vem com o tema “Um legado de amor pela cultura do Amazonas”, em homenagem a Amazonino Mendes, falecido em fevereiro deste ano.
No Galante, o nome da orquestra de percussão é Tamurada, em alusão ao tambor indígena tamurá.
Em 11 de junho, o boi fez o seu primeiro ensaio técnico, fez o que tem se tornado uma de suas tradições: Pai Francisco e Mãe Catirina vêm da fazenda para entregar o Galante ao amo, dando início aos ensaios.
Agenda
O espetáculo dos bois de Manaus ocorrerá hoje (30) no sambódromo, com a abertura do Galante, às 20h; Corre Campo, às 22h, e Garanhão, à meia-noite.
Fotos: Dassuem Nogueira/especial para o BNC Amazonas