BR-319 ganha primeira passarela para animais após quase 50 anos
Iniciativa é da ong WCS, para reduzir atropelamentos de animais

Mariane Veiga
Publicado em: 31/07/2023 às 20:03 | Atualizado em: 31/07/2023 às 20:08
A BR-319, que interliga precariamente os estados do Amazonas e Rondônia, ganhou após quase 50 anos de existência uma passarela superior para animais. A iniciativa inovadora é da Wildlife Conservation Society (WCS).
O projeto é realizado em parceria com a ViaFauna Consultoria Ambiental, financiado pela Fundação Segré e com apoio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Conforme a ong, essa é a primeira passagem superior de fauna em uma rodovia da Amazônia sem pavimentação.
Construída a nível de dossel – na altura da copa das árvores –, a estrutura foi planejada para atender especialmente a fauna arborícola, ou seja, aqueles animais que só se locomovem pelo alto.
Entre os mais beneficiados estão os primatas, que ganham atenção já que, no Brasil, 40% das espécies de primatas estão ameaçadas de extinção e a Amazônia concentra a maior diversidade delas.
De acordo com o diretor de Conservação da WCS, Marcos Amend, a implantação da estrutura emprega uma tecnologia inédita no Brasil e busca compor as medidas de mitigação dos impactos diretos da BR-319, que está em processo de licenciamento para repavimentação.
O local escolhido para a implementação é singular pela alta taxa de endemismo, sendo lar de espécies de animais e plantas que só existem nesta região.
“É uma área que ainda tem florestas bem preservadas, mas além dos impactos diretos da obra, só a perspectiva da pavimentação da estrada já gera uma pressão pela ocupação e, junto com essa ocupação, vem o desmatamento, grilagem de terra. Na Amazônia, precisamos nos preparar para proteger áreas que não estão isoladas. Temos que criar estratégias que preparem o contexto da estrada, a governança e as ações de mitigação de impactos diretos e indiretos da rodovia”, disse Amend.
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Foco nos primatas
A passagem de fauna da BR-319 foi projetada considerando a locomoção do macaco barrigudo (Lagothrix lagotricha), e do macaco aranha da cara preta (Ateles chamek), considerados, respectivamente, como “vulnerável” ao risco de extinção e “em perigo”, de acordo com a Lista Vermelha da International Union for Conservation of Nature (IUCN).
Além dessas espécies prioritárias presentes na região, também serão beneficiados o macaco zogue-zogue, macaco prego, bugios, mico de cheiro, sauim-da-boca-branca, e uma infinidade de outros primatas, marsupiais, roedores como ouriços cacheiros e, eventualmente, répteis arborícolas.
Esses animais sofrem com mortalidades não naturais, provocadas pela atividade humana, categoria na qual se enquadram os grandes empreendimentos que cortam áreas de floresta, como as rodovias e ferrovias na Amazônia.
“O bioma amazônico tem uma relevância mundial por conta dos serviços ecossistêmicos e da alta diversidade biológica, mas essa riqueza está ameaçada por essas grandes obras de infraestrutura. Essenciais para o desenvolvimento socioeconômico de uma região, esses empreendimentos também causam uma série de impactos ambientais”, disse Fernanda Abra, bióloga e sócia-fundadora da ViaFauna.
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Modelo sustentável
O projeto técnico da passagem superior de fauna incluiu a instalação de dois postes de concreto, um de cada lado da rodovia, que receberam a ponte, feita com material duradouro e adequado para a pegada dos animais.
Passagens superiores de fauna como a instalada pela WCS estão entre as estratégias mais eficazes para mitigar os impactos de rodovias na Amazônia. Atualmente, além da BR-319, apenas a BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, em Roraima, conta com estruturas desse tipo: são 30 passarelas aéreas, instaladas em 2022 para atender a fauna arborícola.
A BR-319 já contava com estruturas para a fauna terrestre: são as passagens inferiores de fauna. Em algumas delas, a WCS instalou, nesta semana, armadilhas fotográficas para o monitoramento da fauna. As informações colhidas ajudarão a nortear outras ações de mitigação.
Para o representante do Ibama presente na inauguração da passagem de fauna, Flávio Silveira, a BR-319 precisa de um olhar diferenciado.
“A principal questão aqui é que tem que ficar muito claro que não dá para ser uma rodovia como as outras. Pela sensibilidade ambiental que a gente tem na região, o viés ambiental nesta construção tem que ser diferente. Este evento do qual a gente está participando hoje, com a inauguração desta estrutura, já é um indicativo disso, de que o Dnit tem essa preocupação de fazer diferente. Porque, aqui, a gente vai precisar que seja um empreendimento diferente, pra gente não acabar com a floresta”.
Foto: Michael Dantas/WCS