Mandioca, descoberta indígena da Amazônia que ganhou o mundo

A mandioca, presente no dia a dia dos brasileiros, começou a ser domesticada há pelo menos nove mil anos, aqui na Amazônia

Wilson Nogueira, especial para o BNC Amazonas

Publicado em: 27/11/2023 às 05:31 | Atualizado em: 27/11/2023 às 05:31

Os alimentos derivados da mandioca (raiz da maniva) vão da farinha d’água, acompanhamento indispensável na mesa nortista, aos beijus de tapioca e suas versões de lugar a lugar.

Embora bastante conhecidos, poucos sabem ou se importam com o fato de serem frutos de complexos processos ancestrais.

Origem da mandioca

No Brasil, a mandioca ocorre de Norte a Sul e tem presença significativa na alimentação popular e na culinária gourmetizada.

Pesquisas em genética e botânica indicam que essa planta começou a ser domesticada há ao menos nove mil anos, na Amazônia, em terras hoje de Rondônia, Mato Grosso, Acre e norte da Bolívia.

Daqui a planta se disseminou para terras da América do Sul e alcançou o México.

Os primeiros processos de transformação da mandioca em alimento foram desenvolvidos pelos povos ancestrais.

Rica, também, em ácidos impróprios para o consumo humano, a maniva foi submetida a processo de cultivo por seleção e enxertia para produzir raízes variadas e comestíveis.

A raiz precisou passar por minuciosos processos de manipulação, para se tornar alimento humano.

Mandioca mansa

Somente a macaxeira, a mandioca mansa, consume-se após simples fervura.

Mandioca brava

Já mandioca brava, no seu beneficiamento mais antigo, é amolecida em água corrente – ou ralada -, para a retirada da casca e dos ácidos.

Depois, esmigalhada, a massa é espremida para a retirada do tucupi e da tapioca (fécula), por meio de decantação.

A massa também se processa com uso de ralador feito com placas de latão ou do caititu, cilindro movido de modo manual ou  por pequenos motores.  

As massas do ralo e da maceração também podem ser misturadas, para se obter a “farinha de toco mole”.

A secagem da massa (ou puba, em tupi) passa pelo tipiti, equipamento cilindro de pressão mecânica, tecido com palha da palmeira jacitara.

Assim, os três principais elementos dessa cadeia produtiva são a massa seca, a tapioca e o tucupi.

Vem da puba, pela torrefação, as variedades de farinhas, beijus, bebidas e mingaus que desafiam a criatividade dos consumidores.

Tacacá

O tucupi e a goma, por exemplo, geram tacacá e tempera pratos com peixes e carnes. Entre essas, está o pato-no-tucupi, iguarias da culinária amazonense e paraense.

Por tanto, é possível dizer que os derivados da mandioca que se consome nas feiras, mercados e supermercados, na mesa popular, nas lanchonetes e restaurantes de grife, têm origem na sabedoria e conhecimento dos povos ancestrais.

Certamente, hoouve o aprimoramento dos processos de manipulação genética, cultivo, extração e fabricação dos produtos e subprodutos da mandioca com o uso de máquinas modernas.

Porém, é na Amazônia que se concentra a culinária, com o uso da mandioca, mais próxima das culturas indígenas.

“Como antigamente”

O professor Pedro Meloso confirma que na Vila de Pedras, em Barreirinha (AM), onde ele leciona e mora, o cultivo e o beneficiamento da mandioca e da macaxeira ainda ocorrem com equipamentos manuais, “assim como antigamente”.

Ele assegura que quanto mais conhecimento acumulado, mais possibilidade o agricultor (a) tem de fazer boas colheitas e bons produtos.

Os segredos permeiam essa cultura do plantio à torragem da massa.

“O segredo da boa farinha está no ponto da escalda, o momento em que a massa vai se transformar em grãos de farinha. Isso acontece de geração para geração”, explicou.

O mesmo ocorre com o tucupi da decantação, que antes de passar por demorada fervura é puro veneno.

Já o tucupi que escorre do tipiti só serve para exterminar saúva, formiga que também ataca as manivas.

Fotos: Euzivaldo Queiroz