Quem diz ser o El Niño o grande vilão responsável pelo agravamento da seca histórica na Amazônia , não somente brasileira, em 2023, pode estar equivocado.
Ao contrário. Em vez de ser somente o fenômeno de aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico, são as mudanças climáticas, causadas por atividades humanas, como queimar combustíveis fósseis e desmatar florestas, que têm ajudado a agravar a estiagem amazônica.
É o que mostra um estudo da World Weather Attribution (WWA) publicado nesta quinta-feira (25.
Formado por um consórcio de cientistas do Brasil, Holanda, Reino Unido e EUA, o grupo descobriu que a crise climática tornou 30 vezes mais provável a seca extrema que atingiu os rios da Amazônia de junho a novembro de 2023.
Segundo os cientistas, a seca excepcional da bacia do rio Amazonas foi impulsionada por baixas precipitações (quantidade de chuvas) e temperaturas altas durante todo o ano de 2023 em toda a bacia.
Ainda de acordo com os pesquisadores da WWA, os níveis dos rios estiveram nos níveis mais baixos dos últimos 120 anos, ameaçando os 30 milhões de pessoas que vivem na bacia amazônica em vários países, incluindo Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador e Bolívia.
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Consequências
Isso fez com que houvesse a interrupção do o transporte, isolamento das comunidades e morte da vida selvagem. A seca também afetou as capacidades das barragens e a produção de energia e levou a cortes de energia na região já em junho de 2023.
Entre as principais conclusões do estudo, verificou-se que populações altamente vulneráveis foram as mais afetadas pela seca.
Os pequenos agricultores e as comunidades indígenas, rurais e ribeirinhas de toda a Amazônia estavam entre os mais vulneráveis devido às elevadas taxas de pobreza e à sua dependência da produção agrícola de alimentos, da disponibilidade de água doce e da importação de bens por meio dos rios.
Por conta disso, a exposição aos impactos da seca foi agravada por práticas históricas de gestão de terras, água e energia. Isso inclui desmatamento, destruição de vegetação, incêndios, queima de biomassa, agricultura corporativa, pecuária e outros problemas socioclimáticos.
Logo, essas práticas diminuíram a capacidade de retenção de água e umidade da terra e, portanto, piorou as condições de seca.
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El Niño
Primeiramente, os cientistas da WWA avaliaram até que ponto o El Niño é um impulsionador desta tendência de seca extrema.
Eles concluíram que o fenômeno natural reduziu a quantidade de chuvas na região aproximadamente na mesma proporção que as alterações climáticas.
No entanto, a forte tendência de seca se deveu quase inteiramente ao aumento das temperaturas globais, pelo que a gravidade da seca vivida é em grande parte impulsionada pelas alterações climáticas.
A menos que o mundo pare rapidamente de queimar combustíveis fósseis e de desflorestar, estes acontecimentos tornar-se-ão ainda mais comuns no futuro. Pois, em um mundo 2°C mais quente do que o período pré-industrial, um evento como este pode se tornar ainda mais provável a cada 10-15 anos (seca agrícola) ou a cada 30 anos se for por seca meteorológica , advertem os cientistas das WWA.
Esforços urgentes
Ainda segundo o estudo, mesmo que todos os países da região amazônica tenham planos de gestão da seca, a recente estiagem indica a necessidade de reformar a política, melhorar as previsões e alertas precoces.
Assim como aliar os planos de contingência da seca às práticas sustentáveis de gestão da água, investimento em infraestruturas para enfrentar situações futuras e mais intensas de secas.
Por fim, o estudo do WWA afirma:
Estes resultados realçam que, apesar da ‘baixa confiança’ nas projeções do IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima) para a seca na região, o crescente stress hídrico impulsionado pelas alterações climáticas, induzidas pelo homem, bem como por outros fatores sistémicos, continua a ser uma grande ameaça à população e requer esforços urgentes para uma gestão mais eficaz .
Em conclusão, afirma:
“Isso leva em conta estratégias de gestão da água, resposta humanitária interdisciplinar e cooperação regional que inclua agricultores e outras partes interessadas no planeamento”.
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Foto: Ronaldo Siqueira/especial para o BNC