Esta semana que passou trouxe um burburinho político, na mídia amazonense, com a suposta debandada dos ex-deputados Francisco Praciano e José Ricardo do PT. Eles iriam para o PDT para formar chapa-puro sangue da esquerda nas eleições de 2024 em Manaus.
Foi um disse me disse de ambos os lados, ora confirmando a intenção de se unirem no projeto de candidatura majoritária, ora negando sair do PT rumo ao PDT. (Leia a entrevista com Praciano no final desta reportagem).
O suposto imblóglio político, que não teve manifestação dos dirigentes dos dois partidos envolvidos, trouxe um debate público sobre os “rumos da esquerda no Amazonas”.
Em artigo publicado neste BNC, na quarta-feira (24), com o título “A velha política da esquerda do Amazonas”, o sociólogo e militante histórico do PT, Lúcio Carril, faz uma crítica contundente à postura dos partidos da ala progressista.
Carril aponta que a esquerda não se construiu como alternativa de poder no Amazonas desde a redemocratização no final dos anos de 1980. Afirma que a esquerda amazonense soube fazer a resistência à ditadura e participou estrategicamente da reconstrução democrática do país.
Desde então, segundo o sociólogo, a esquerda não se construiu como alternativa de poder no Amazonas desde a redemocratização. Não soube elaborar estratégias de alianças, formação de blocos, composições eleitorais que dessem resultados. Mergulhou numa autofagia destrutiva do seu próprio campo.
“Perdura a velha política da destruição de lideranças, as vaidades pessoais acima do projeto coletivo, a “coisificação” da política substituindo a proposta humanista de construção de uma nova sociedade”, diz Lúcio Carril em seu artigo.
Leia a análise do sociólogo na íntegra:
Novas lideranças
Uma velha liderança política do movimento de esquerda no Amazonas, ouvida pelo BNC, corrobora a análise de Carril. Ressalta que o movimento foi muito forte nos anos de 1980, na ditatura e na clandestinidade.
No entanto, nos últimos 40 anos, essas lideranças envelheceram, não houve renovação da política o que se transformou em uma autofagia dentro dos partidos. As lideranças fortes que apareceram, foram sufocadas pelos velhos caciques e cita Ricardo Moraes e Marcelo Ramos.
Por fim, o cacique da política amazonense afirma que é hora dos novos líderes, da nova geração “pôr a cabeça de fora” e assumir o espaço que a esquerda precisa ter.
Renovação
Nesse debate, o jovem professor Yan Evanovick, dirigente estadual do PCdoB, diz que a esquerda do Amazonas precisa ter projeto de campo. Os partidos progressistas não podem só construir a sua agenda.
“É óbvio que os partidos precisam ter cara própria porque tem um programa diferente, tem estratégias diferentes. Agora é preciso ter um programa de médio e longo prazo. Nós precisamos voltar a ter planejamento, nós precisamos voltar a pensar estrategicamente esse estado”, diz Evanovick.
Segundo ele, quando se olha para todos os campos políticos, nota-se uma baixa renovação. E quando se tem uma renovação, é fisiológica e de baixa qualidade.
“Infelizmente, aqueles que passaram 20, 30, 40 anos liderando os partidos políticos em todos os campos políticos não cuidaram de uma renovação. E eu falo isso porque, seja de direita ou seja de esquerda. É preciso projetar o que vai ser os próximos 10, 20, 30 anos do Amazonas”, analisa o dirigente do PCdoB.
Eleições majoritárias
Yan Evanovick é taxativo quando diz que o campo progressista do Amazonas e da Amazônia precisa ter nomes para as disputas majoritárias para que a população entenda que aquele nome está sendo apresentado por um campo político para fazer uma disputa de fato.
Segundo o dirigente do PCdoB, pelo menos nos últimos 20 anos, o campo progressista da Amazônia sempre utilizou as eleições majoritárias para se projetar.
No caso do Amazonas, ele cita dois momentos: quando Serafim Corrêa (PSB) se torna prefeito de Manaus, em 2004. E o segundo é quando a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), chega ao segundo turno com o então ex-senador Arthur Virgílio Neto (PSDB), que acaba se elegendo prefeito em 2012.
“Agora, é preciso haver renovação, é preciso que os partidos se debrucem e tenha muita generosidade política, seja para construir um campo político, que dispute a opinião e as ideias para a cidade de Manaus. Por isso, defendo que haja uma candidatura do campo progressista no estado do Amazonas buscando a construção de uma frente ampla para defender aquilo que o governo Lula vem fazendo não somente pelo estado do Amazonas, mas por toda a Amazônia”,
Chapa de esquerda
E para atender o clamor das lideranças de esquerda, o presidente do diretório municipal do PT, Valdemir Santana, informou que a federação PT-PCdoB-PV, desde o ano passado, definiu que terá candidatura própria em Manaus. E, dependendo da situação e posição política, também formará chapa nos 62 municípios do Amazonas.
“A federação tem cinco pré-candidatos e estamos discutindo para resolver o problema de Manaus e ter uma candidatura da esquerda. Além disso, nós conversamos com o Psol, PSB, PDT e com o Solidariedade, partido do deputado Paulinho da Força, que é do nosso campo”, declarou Valdemir Santana.
De acordo com presidente municipal do PT, os cinco pré-candidatos da federação à Prefeitura de Manaus são:
Pelo PT: Anne Moura, Luís Borges, vereador Sassá e o ex-deputado José Ricardo. Pelo PCdoB, o ex-deputado estadual Eron Bezerra.
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ENTREVISTA COM PRACIANO
BNC – Essa história de fazer uma chapa puro-sangue com o ex-deputado José Ricardo, mesmo fora do PT procede?
Praciano: Algum tempo atrás, publiquei em um grupo político que havia convidado o Zé Ricardo para junto comigo buscarmos partidos de esquerda e aliados do Lula que topassem, viabilizar lançar uma chapa pura de esquerda: Zé Ricardo para prefeito e Praciano, vice, para fazer o que o PT se nega a fazer. Independentemente de ganhar ou não, fazer uma campanha de educação política, de conscientização, de informação e divulgação dos governos do Lula e do legado do PT e da esquerda.
Seria uma ousada alternativa à intenção da direção governista do PT de mais uma vez apontar para alianças com adversários de ontem, de hoje e de amanhã, tais como Ricardo Nicolau, Roberto Cidade, Carlos Almeida, David Almeida. Uma verdadeira agressão à esquerda e à história do PT.
BNC – Então, o senhor é contra alianças com partidos e políticos que não são do campo de esquerda?
Praciano: Que crescimento político representa essas figuras? O que esses indivíduos colaborariam com a governabilidade do Lula? Bolsonaristas reais e potenciais apoiariam a continuação de um governo de esquerda em 2026? O que está em jogo? Quais são as forças ocultas?
BNC – O senhor acredita que uma chapa puro-sangue lograria êxito nessa eleição em Manaus?
Praciano: Acho que a base e o eleitorado consciente preferiria uma chapa “Zé-Praça” do que chapas encabeçadas por Roberto Cidade, Ricardo Nicolau e essas coisas. Propus, há meses, este projeto ao Zé [Ricardo]. Ele não topou. O PT do Sinésio e do Valdemir [Santana] não gosta de nós. Não há espaço. Seria uma ousadia essa chapa. Seria uma chapa visível. O projeto seria de conscientização, educação política, de ruptura. Depois, o Zé disputaria a deputado federal ou Senado. Mas, ele não topou e o projeto morreu. Assim sendo, fico por aqui [no PT e no interior do Ceará]”.
BNC – Sobre a proposta, o que respondeu o ex-deputado José Ricardo?
Praciano: Então, o Zé Ricardo ponderou e decidiu sair a vereador pelo PT e eu também decidi continuar no PT. Só sairia do PT numa proposta ousada e pela esquerda. Respeitei a posição do companheiro Zé Ricardo e a proposta sequer foi discutida com qualquer partido. Disse à jornalista que estava sem motivação para candidaturas, pois acho que ainda sou uma referência, mas já não tenho densidade eleitoral.
BNC – E a sua saída do PT para o PDT? Vai acontecer de verdade?
Praciano: Embora não tenha falado em sair do PT e para o PDT ou qualquer partido, observo, agora, que não seria traumático, para mim, sair do PT para um partido de orientação socialista como o PsoL, PCdoB, PDT, assim como fizeram Ivan Valente, Chico Alencar, Marina Silva, Erundina, Marcus Barros, Paulo Rubens e outros que continuo respeitando como bons políticos.
BNC – Na sua opinião, qual a saída para a esquerda do Amazonas?
Praciano: Acho que a gente não muda nada. Não acontece nada, sonhando só com mandatos de vereador e deputado. Há que ousar, mesmo perdendo mandatos. Somos livres para ousar, arriscar, romper, pois não fazemos negócios na política”.
Foto: Divulgação