Amazônia: seca dos rios é reflexo de mudanças climáticas, diz estudo
O aquecimento global também intensificou os efeitos da seca, aumentando o calor e diminuindo a quantidade de água

Da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 25/04/2024 às 15:09 | Atualizado em: 25/04/2024 às 15:09
Estudo entre Unesp e Cemadem apontou que que tanto o calor quanto a seca que atingiram a maior floresta tropical úmida do mundo já refletem o panorama das mudanças climáticas.
Os resultados do estudo foram publicados em artigo publicado em abril na revista científica Scientific Reports. A informação é Jornal da Unesp.
O estudo foi coordenado pelo climatologista peruano Jhan-Carlo Espinoza, do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD).
Dessa forma, a equipe de pesquisadores analisou dados hidrológicos do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, operado pela Agência Nacional de Águas e pelo Serviço Geológico do Brasil.
A pesquisa também usou dados atmosféricos do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF) e de chuvas, baseados em informação pluviométrica de estações meteorológicas e observações de satélite.
Estiagem extrema
Ainda segundo a publicação, a Amazônia já registrou neste século outros episódios de estiagem extrema e prolongada, quase sempre associados à ocorrência do fenômeno climático El Niño.
Ou seja, a primeira em 2005, a segunda em 2010, a terceira em 2015 e 2016 e a mais recente em 2022-2023.
Estes eventos afetam o bioma sob diversos aspectos. Segundo determinados quesitos, a seca que ocorreu ano passado foi a maior da história.
Um destes indicadores é o nível do rio Amazonas e de seus tributários, como o rio Negro, a margem do qual fica a cidade de Manaus.
Quando o nível da água no porto de Manaus cai abaixo dos 15,80 m, os estudiosos consideram como um caso de seca severa.
Nos anos de 2010, 1963, 1997 e 2005 o nível das águas baixou, respectivamente, a 13,63 m, 13,64 m, 14,37 m e 14,75 m.
Pois em 26 de agosto do ano passado, as águas em frente à capital manauara alcançaram apenas 12,70 m, o menor índice desde o começo da série histórica, em 1902.
“Do ponto de vista do nível dos rios, esta foi a seca mais forte já registrada”, diz o pesquisador peruano.
Ele diz que outros estudos em andamento podem vir a mostrar se esse episódio também foi o mais intenso do ponto de vista, por exemplo, da disponibilidade de água para a floresta, ou de sua duração.
“Na verdade, ainda não estou convencido de que a seca tenha chegado ao fim”, diz.
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O La Niña dá início à seca
As análises indicam que a porção sul e sudoeste da Amazônia experimentou uma diminuição significativa de chuvas a partir de novembro de 2022.
Este já era um evento atípico, pois, historicamente, este período se caracteriza pelo início da época úmida na região.
Essa queda nas chuvas estaria relacionada ao esfriamento das águas da região equatorial do oceano Pacífico, fenômeno conhecido como La Niña.
Espinoza explica que a ocorrência de anos consecutivos de La Niña costuma resultar na diminuição da umidade no sul da América Sul, sobretudo na faixa entre o sul do Brasil, norte da Argentina e Paraguai, propiciando longos períodos de estiagem.
No entanto, o La Niña nos últimos anos foi tão intenso que o resultado foi que a diminuição dos níveis de precipitação se estendeu até a Amazônia boliviana, próxima à fronteira com os estados de Rondônia e Acre, e os Andes tropicais, diz o climatologista, que é o autor principal do artigo.
Entre os autores está também José Antônio Marengo, que é pesquisador titular e coordenador geral de pesquisa do Cemaden.
A seguir, o déficit nos níveis de chuva nessas regiões intensificou-se com a chegada do verão austral, entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023.
A umidade que chega à bacia amazônica é trazida por ventos que sopram do Atlântico Tropical Norte em direção ao continente. “Esse vapor de água gera chuva sobre a floresta”, explica Espinoza.
Em um primeiro momento, a vegetação e o solo absorvem a água. Em seguida, ocorre um fenômeno conhecido como evapotranspiração: parte da chuva evapora dos solos e as plantas transpiram.
Essas ações devolvem uma grande fração da umidade inicial à atmosfera, que produz mais pluviosidade sobre a mata.
“Essa interação gera um ciclo perene muito eficiente de reaproveitamento da água”, afirma o climatologista.
Porém, entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023a umidade trazida pelo Atlântico Tropical Norte ficou concentrada no norte da América do Sul, entre a Colômbia e a Guiana.
“O esperado era que ela descesse até a Amazônia boliviana, o que não aconteceu”, afirma o pesquisador.
A combinação desses fatores impulsionou a seca, fazendo com que atingisse uma área maior da Amazônia e perdurasse por mais tempo.
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Entra em cena o El Niño
A situação se agravou entre abril e maio de 2023 com a chegada do El Niño. O fenômeno é caracterizado por um aquecimento acima da média nas águas do Pacífico, na região da linha do equador.
Isso acontece quando os ventos que sopram de leste para oeste na região tropical perdem intensidade, e não dão conta de empurrar, em direção à Ásia e à Oceania, a água que apresenta temperaturas mais elevadas, pois foi aquecida pelos raios solares.
A água quente permanece parada nesse trecho do Pacífico, evapora mais e favorece o surgimento de chuvas naquela região.
Águas aquecidas tendem a ficar nas regiões mais superficiais do oceano por serem mais leves, ou menos densas, que as frias, que se acumulam na parte mais profunda.
Em situações “normais”, isto é, na ausência do El Niño, os ventos que correm de leste para oeste levam as águas quentes e superficiais do Pacífico Tropical das Américas para a Oceania.
Esse movimento abre espaço para que as águas frias, mais profundas, subam e ocupem seu lugar. Esse afloramento, denominado ressurgência, ocorre usualmente perto da costa equatorial da América do Sul.
No Brasil, o El Niño provoca um aumento das chuvas no Sul, e seca no Norte. Dessa forma, ao longo de 2023, à medida que o El Niño se intensificou, a Amazônia central e norte ficou mais seca e quente do que o normal.
“Com menos chuvas, os níveis dos rios tributários provenientes do sul da bacia, que já estavam abaixo da cota mínima histórica para aquela época do ano, tiveram mais dificuldade para se recuperar”, explica Espinoza.
Secas nos rios
Os efeitos da seca na Amazônia foram visíveis em todos os grandes rios, como o Negro, Solimões, Purus, Juruá e Madeira.
O nível do Negro chegou a descer 20 centímetros por dia entre agosto e início de setembro, segundo o Serviço Geológico do Brasil. É o dobro do registrado em 2022, mas menos do que nas grandes secas amazônicas de 2005 e 2010.
O aquecimento global também intensificou os efeitos da seca, aumentando o calor e diminuindo a quantidade de água disponível para a manutenção da floresta e seu ecossistema. Soma-se a isso o desmatamento e a degradação florestal.
“Como a floresta contribui para a formação de nuvens de chuva por meio da evapotranspiração das árvores, a diminuição da cobertura florestal e a piora na saúde da mata podem resultar em menos precipitações, diz o engenheiro ambiental João Vitor Marinho Ribeiro, aluno de doutorado no Programa de Pós-graduação em Desastres Naturais, e um dos autores do artigo na Scientific Reports.
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Foto: BNC AMAZONAS