ZFM 58 anos: isolamento com Bolsonaro, moderna e popular com Lula
Anรกlise รฉ do superintendente da Suframa, Bosco Saraiva, ร s vรฉsperas do aniversรกrio de quase seis dรฉcadas da Zona Franca de Manaus

Mariane Veiga
Publicado em: 25/02/2025 ร s 19:37 | Atualizado em: 25/02/2025 ร s 20:55
O modelo industrial Zona Franca de Manaus (ZFM) completa 58 anos de existรชncia no prรณximo dia 28 de fevereiro.
Foi nessa data, em 1967, que o governo militar resolver dotar o estado do Amazonas e mais quatro estados da regiรฃo Norte de incentivos fiscais para promover o desenvolvimento, crescimento econรดmico e adensar a sua populaรงรฃo.
Nessa รฉpoca, ainda nรฃo fazia parte das preocupaรงรตes nem das prioridades governamentais a sustentabilidade, a preservaรงรฃo do meio ambiente e a manutenรงรฃo da floresta em pรฉ, papeis que hoje a Zona Franca de Manaus tambรฉm desempenha.
Dessa forma, ร s vรฉsperas do aniversรกrio de quase duas dรฉcadas do modelo exitoso da Zona Franca de Manaus, o superintendente da Suframa, Bosco Saraiva, faz uma anรกlise cirรบrgica do modelo.
Em uma entrevista, concedida aos jornalistas do G6, um grupo de sites do Amazonas, na manhรฃ desta terรงa-feira, 25 de fevereiro, Saraiva faz uma comparaรงรฃo entre o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) e o terceiro mandato do presidente Lula da Silva a partir de 2023.
De acordo com o superintendente, nos quatro anos de Bolsonaro houve isolamento, retrocesso, terror na ZFM. Enquanto, nos dois primeiros anos do governo Lula, hรก uma busca intensa pela popularizaรงรฃo do modelo, assim como modernizaรงรฃo na gestรฃo, aprimoramento da tecnologia e fiscalizaรงรฃo dos serviรงos.
Alรฉm, evidentemente, das sucessivas prorrogaรงรตes das vigรชncias da Zona Franca de Manaus โ Lula, em 2003 (por dez anos) e Dilma Rousseff, em 2014, (por mais 50 anos).
E tambรฉm aprovaรงรฃo da reforma tributรกria, com a Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei Complementar 68/2024, jรก no terceiro governo Lula, que manteve intacto modelo industrial amazonense.
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Isolamento
โDepois aquele governo passado, que graรงas a Deus se foi, prejudicou muito a Zona Franca de Manaus. O polo industrial de Manaus se fechou dentro de uma cerca intransponรญvel. A Suframa (Superintendรชncia da Zona Franca de Manaus) se isolou sem comunicaรงรฃo com ninguรฉm. Hรก relatos estarrecedores de investidores que vieram duas vezes a Manaus, tentando uma audiรชncia com a alta gestรฃo, com fins de instalaรงรฃo de empresas, mas nรฃo conseguiu audiรชnciaโ,
E prosseguiu, Bosco Saraiva:
โEntรฃo, eu tambรฉm radicalizei. Na hora que chegamos, com essa nova gestรฃo do presidente Lula, com o seu espรญrito popular, com aquilo que ele praticou a vida inteira, que รฉ estar prรณximo da base, prรณximo do povo, nรณs fomos para dentro da fรกbrica. E isso juntou uma sรฉrie de aspectos positivos.
Segundo o superintendente da Suframa, na gestรฃo passada, grupos empresariais relevantes bateram na porta da Suframa e nรฃo foram sequer recebidos.
Depois que entrou para comandar a autarquia, Bosco Saraiva convidei um deles que prometeu retornar ao Amazonas e tomar conhecimento da Zona Franca de Manaus.
โLiguei para o proprietรกrio da fรกbrica de joias e eles deverรฃo vir atรฉ esse semestre a Manaus. Agora, eles terรฃo tapete vermelho na porta e vou botar cafรฉ e biscoito no forno para recebรช-losโ, declarou aos jornalistas do G6.
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Chรฃo de fรกbrica
Entรฃo, a partir de 2023, quando entrou na Suframa, substituindo duas gestรตes militares (general Algacir Polsin o coronel reformado do Exรฉrcito, Alfredo Menezes), Bosco Saraiva empreendeu uma atitude jamais vista por um superintendente: passou a visitar quase diariamente o โchรฃo das fรกbricasโ.
Dessa forma, nos รบltimos dois anos, jรก visitou 112 das 600 empresas instaladas no polo industrial de Manaus.
G6: O que รฉ deu esse gatilho para que o senhor adotasse essa agenda tรฃo intensa de visitas? Foi o chรฃo de fรกbrica que o senhor frequentou lรก no inรญcio da sua vida?
Bosco Saraiva: Foi um misto dessas motivaรงรตes. Primeiramente, eu gosto de estar dentro da fรกbrica porque foi por lรก que eu comecei, entre os anos de 1980 a 1990. Eu tive a oportunidade de servir no chรฃo de fรกbrica na Semp Toshiba, Sharp e na Gradiente. Foi lรก que eu formatei o meu jeito de fazer gestรฃo, de administrar.
Nรณs jรก visitamos 112 fรกbricas das 600 que estรฃo em atividades no polo industrial de Manaus, assim como visitamos tambรฉm alguns empreendimentos no Distrito Agropecuรกrio da Suframa, alรฉm do comรฉrcio. Isso, nรฃo somente em Manaus, mas em Rondรดnia, Roraima Acre e Amapรก. Portanto, durante esse perรญodo, fizemos essas aรงรตes de reintegraรงรฃo com esses estados importantes da Amazรดnia Ocidental.
G6: O que acontece nessas visitas quase diรกrias ao chรฃo das fรกbricas do distrito industrial?
Bosco Saraiva: Nessas visitas, verificamos a qualidade da refeiรงรฃo que estรก sendo servida aos trabalhadores, a gente vรช como estรก a estaรงรฃo de tratamento de รกgua, como estรฃo sendo tratados os resรญduos lรญquidos e sรณlidos, enfim, damos um olhar para questรฃo da sustentabilidade nas empresas. Qualquer dรบvida de gestรฃo, a gente tira na hora, resolve, encaminha e mantรฉm a Suframa de portas abertas especialmente para o investidor, que รฉ quem garante o nosso emprego e dos nossos trabalhadores.
Humanizaรงรฃo e tecnologia
G6: Na sua percepรงรฃo, do chรฃo de fรกbrica da dรฉcada de 1980 para os dias atuais, houve mudanรงas, avanรงos significativos?
Bosco Saraiva: Sim, melhorou demais., nรฃo tenha dรบvida. Hรก fรกbricas avanรงadรญssimas que eu recomendo que sejam visitadas. O tratamento de algumas fรกbricas รฉ muito diferente do meu tempo de galpรฃo. E isso se converteu tambรฉm em melhoria para o trabalhador: melhores salรกrios, assistรชncia mรฉdica e social, a questรฃo da ESG (gestรฃo empresarial com foco no ambiental, social e governanรงa), a integraรงรฃo com a comunidade e programas sociais. Alรฉm das certificaรงรตes que as empresas recebem quando fazem esse tipo de programa. Isso cresceu muito dentro das fรกbricas e o avanรงo desses ambientes incentiva a implantaรงรฃo da indรบstria 4.0 (automaรงรฃo, tecnolรณgica) que tem tudo a ver com essa modernizaรงรฃo dos ambientes dos sistemas. Com isso, as fรกbricas estรฃo mais humanizadas e a presenรงa da Suframa ajuda nisso.
Recorde de empregos
G6: Superintendente, o ano passado houve mais emprego no polo industrial de Manaus quem em 2013, no governo Dilma. Foram mais de 129 mil empregos. Jรก nesse inรญcio de 2025, a ZFM estรก empregando 126 mil trabalhadores. Existe expectativa de quebrar esse recorde?
Bosco Saraiva: A nossa expectativa รฉ bater o recorde de empregos este ano. Alรฉm desse resultado nos empregos, nรณs tivemos 150 projetos aprovados em 2024, dos quais 59 sรฃo novas empresas. Os outros 91 sรฃo de diversificaรงรฃo. Entรฃo, isso รฉ reflexo da aprovaรงรฃo da EC 132/2023 (reforma tributรกria), adicionado ร polรญtica do presidente Lula, que funcionou perfeitamente para nรณs.
Suframa nas escolas
G6: Se aqui [na ZFM] estรก desse jeito que o senhor descreve, certamente no paรญs tambรฉm existe uma recuperaรงรฃo de nรญvel de emprego e da economia como um todo. Por que boa parte da populaรงรฃo nรฃo estรก conseguindo enxergar esses avanรงos?
Bosco Saraiva: Vejamos o que aconteceu agora na Alemanha, com o avanรงo da extrema direita no poder. Isso porque a nova geraรงรฃo se distanciou do holocausto. Aqui, no Brasil e no Amazonas, a mesma coisa: a nova geraรงรฃo nรฃo tem ideia do que a gente passou antes da Zona Franca de Manaus. รramos sรณ um porto de lenha nada mais do que isso. Sem universidade sem hospitais sem escolas, sem esperanรงas, sem nada. Tรญnhamos sรณ couro de jacarรฉ, a balata, a sorva e vivรญamos de escambo. Portanto, nรณs temos que ir para dentro das escolas, das universidades dos meios de comunicaรงรฃo, dizer da importรขncia da Suframa e mostrar o que รฉramos atรฉ 1967.
Daรญ, termos o programa Suframa nas Escolas. Ainda รฉ um projeto-piloto.
A gente percebe, nas palestras que ministramos nas universidades, nas escolas de ensino fundamental e mรฉdio que todos ficam abismados quando veem o que รฉ, o que faz a Zona Franca de Manaus. E isso nos motiva a continuar com o projeto. Alรฉm do mais, vamos alavancar a publicidade institucional da Suframa. E nรฃo somente no Amazonas, mas em toda a Amazรดnia Ocidental.
Pesquisa e inovaรงรฃo
G6: Superintendente, um dos pontos chaves para o desenvolvimento tecnolรณgico da ZFM รฉ o programa de P&D (pesquisa e desenvolvimento). Como estรก esse programa?
Bosco Saraiva: Um dos motivos que visitamos as empresas nos estados da Amazรดnia Ocidental, principalmente, รฉ para orientรก-los as criar institutos de pesquisas para que possam acessar os recursos de P&D. Pois, somente no ano passado, esse programa angariou recursos em torno de R$ 1,5 bilhรฃo para investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovaรงรฃo, com capacitaรงรฃo do nosso povo da capital e interior. Esse รฉ uma obrigaรงรฃo das empresas do polo de informรกtica para
Elas recolhem 5% do faturamento bruto e sรฃo obrigadas a investir em P&D, deixando conhecimento na Amazรดnia e a alcance da Suframa. Desse percentual, as empresas investem 2,7% no desenvolvimento dos seus produtos e 2,3% elas tรชm que investir nos institutos (ICT) pรบblicos e privados. E esses institutos de pesquisas estรฃo vinculados ร s universidades espalhadas por toda a Amazรดnia.
Semente de seringueira
G6: De toda essa tecnologia desenvolvida nesses projetos, com os recursos abundantes de P&D, o que fica para nรณs, populaรงรฃo do Amazonas e da Amazรดnia?
Bosco Saraiva: Eu sempre uso metรกfora quando trato dessa questรฃo. Digo que esse recurso [P&D], estabelecido pela lei de informรกtica, รฉ a nossa semente de seringueira, que precisamos plantar direitinho para nรฃo levarem depois e nรฃo cairmos no erro do sรฉculo passado, quando o inglรชs que veio aqui na Amazรดnia e levou a semente da seringueira para plantar fora do Brasil e da Amazรดnia.
Com isso, quero dizer que esse recurso de R$ 1,5 bilhรฃo, nรฃo pode ser investido somente no desenvolvimento tecnolรณgico de determinados produtos, senรฃo quando a empresa fechar ela leva e nรฃo fica nada para a gente. Aรญ a minha comparaรงรฃo com a semente da seringueira. Entรฃo, temos que trabalhar o desenvolvimento para industrializar os nossos produtos, as coisas da nossa regiรฃo, tanto mineral, vegetal, nos fรกrmacos e tantas outras รกreas de nosso domรญnio e existentes na nossa regiรฃo.
Invasรตes de terras da Suframa
G6: Superintendente Bosco Saraiva, essa briga pela reestruturaรงรฃo da Suframa, para pelas terras com diversas invasรตes. Alรฉm disso, o Distrito Industrial 38, na estrada, AM-010, jรก comeรงa a se esgotar. Como estรก esse processo todo?
Bosco Saraiva: Essa questรฃo das terras da Suframa รฉ um dos problemas enfrentados hรก mais de 40 anos. De um tempo para cรก, alvoroรงou-se mais ainda a questรฃo das invasรตes Distrito 2, que eram รกreas destinadas ao desenvolvimento industrial na zona leste de Manaus. A Suframa informou a Polรญcia Federal, que acionou a Polรญcia Militar para fazer o processo de reintegraรงรฃo de posse. Por outro lado, a Rocam instalou novo quartel dentro do Distrito Industrial e isso facilita as operaรงรตes para nรฃo permitir as invasรตes e apoiar as reintegraรงรตes de posse das terras da Suframa.
Agora, o nosso desafio รฉ legalizar essas terras junto aos produtores rurais. Estamos trabalhando para regularizar os CNPJ, CPF agricultores familiares, pois, estรฃo instalados nessas รกreas hรก cerca de 20, 30 anos. Por isso, nรฃo podemos chegar lรก tirar essas pessoas. Temos, portanto, que estabelecer uma polรญtica de regularizaรงรฃo fundiรกria tanto no Distrito 1, quanto no Distrito 2.
Distrito Agropecuรกrio
G6: Essas aรงรตes significam que a Suframa vai intensificar a implantaรงรฃo de projetos agropecuรกrios, respeitando o que diz o decreto-lei 288/67, de implantaรงรฃo da Zona Franca de Manaus?
Bosco Saraiva: Nesse perรญodo, que estamos na conduรงรฃo desse processo, nรฃo permitimos o avanรงo das invasรตes tanto no Distrito Agropecuรกrio da Suframa como lรก no Rio Preto da Eva. Temos que destinar, por licitaรงรฃo, essas รกreas disponรญveis para quem quer plantar e construir sua fรกbrica. Nรณs vamos licitar 42 lotes de terrenos no Distrito 2, para implantaรงรฃo de novas empresas.
Assim, vamos ter uma produรงรฃo, pois, o Distrito Agropecuรกrio, inicialmente, era uma ideia de desenvolvimento desse setor no nosso estado, que nรฃo tinha nada, era empรญrico. Entรฃo, cada empresa que se instalava no polo industrial era obrigada a ter um projeto agropecuรกrio, os chamados bens de raiz. Com o tempo, algumas empresas se mantiveram e outras abandonaram.
Outros investidores persistiram resilientemente e desenvolveram algumas culturas juntamente com a Embrapa. Adaptaram, na regiรฃo do Rio Preto da Eva, cafรฉ e laranja. E, se Deus quiser, esse ano vamos inaugurar e distribuir laranja, vender na beira da praia diretamente do produtor e exportar para o Sul e Sudeste, gerando emprego no municรญpio.
Alckmin, amigo da ZFM
G6: O vice-presidente Geraldo Alckmin chegou a ser taxado, uma รฉpoca, como inimigo da Zona Franca. Hoje, ele รฉ visto como um parceiro, pois, jรก participou de reuniรตes do Conselho de Administraรงรฃo da Suframa (CAS), de inauguraรงรฃo de fรกbricas. Portanto, Alckmin fala com outro tipo de carinho pela Zona Franca?
Bosco Saraiva: O vice-presidente Geraldo Alckmin รฉ um amigo da Zona Franca de Manaus e tem sido um grande parceiro do nosso polo industrial. Nรฃo hรก nenhum empecilho do ministรฉrio (Mdic), que ele comanda, assim como Mรกrcio Elias. O secretรกrio-executivo, o nรบmero 2 do ministรฉrio tem sido muito atencioso com a Zona Franca de Manaus e sempre tem atendido os nossos pleitos.
G6
Participaram da entrevista com o superintendente da Suframa, Bosco Saraiva, os membros do G6: Neuton Correa, do BNC Amazonas, Clรกudio Barbosa, do portal รnico, Mรกrio Adolfo Filho, do portal do Mรกrio Adolfo, Valmir Lima, do Amazonas Atual, Marcos Santos, do portal do Marcos Santos, Hiel Levy, do blog do Hiel Levy.
Foto: Divulgaรงรฃo/Suframa