As três onças yanomamis

Kopenawa esteve na Ufam para participar como examinador da banca de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura da Amazônia

Mariane Veiga, por Dassuem Nogueira

Publicado em: 29/04/2025 às 21:41 | Atualizado em: 29/04/2025 às 21:41

O contato entre a sociedade nacional e o povo yanomami é recente, data do início do século passado.

Por volta de 1980, o jovem Davi encontra os corpos de seus parentes assassinados por garimpeiros. Diante dos corpos, Davi grita de ira. Após, recebe o nome de Kopenawa, vespa (caba) brava.

Cerca de 40 anos depois do massacre presenciado por Kopenawa, ainda são comemoradas várias primeiras vezes dos yanomamis no contato com os brancos.

Nos dias 22 e 23 de abril deste 2025, Davi Kopenawa esteve na Ufam para participar, pela primeira vez, como examinador da banca de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura da Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Foi essa a primeira vez que Kopenawa participou de uma banca acadêmica na condição de doutor honoris causa, título concedido pelas universidades federais de Roraima e São Paulo.

Foi também apenas a segunda vez que Kopenawa participou de um evento na Ufam.

Odorico Xamatari Hayata Yanomami, Edinho Yanomami Yarimina Xamatari fa e Modesto Yanomami Xamatari Amaroko são os primeiros mestres ianomâmis do Brasil.

Durante o evento promovido pela Ufam para celebrar a defesa histórica, os três sentaram juntos na primeira fileira do auditório Eulálio Chaves para assistir a sua festa.

Ao serem apresentados, Odorico, Edinho e Modesto, como se tivessem ensaiado, levantaram, se voltaram para o público e ergueram os braços, ao mesmo tempo, vibrando sua conquista. Foram celebrados calorosamente pelo público.

As defesas acadêmicas costumam ser eventos longos e enfadonhos. Todavia, esse não foi o caso das defesas dos três ianomâmis, que tiveram direito a uma apresentação dos bois-bumbás Garantido e Caprichoso e da ciranda Tradicional, de Manacapuru, para celebrar o feito histórico e político.

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Palavras de Davi Kopenawa

A primeira prova

Mboe’sara Esâîã Tremembé, Paulo Roberto dos Santos Júnior, doutor em antropologia social, membro das bancas, contou que os estudantes lhe pediram ajuda para escrever o projeto de pesquisa, que é uma das etapas da seleção.

Com um detalhe: pretendiam fazê-los em português.

Paulo recomendou que eles fizessem em yanomami e que os examinadores encontrariam um modo de traduzi-los.

Com projetos escritos em yanomami, eles foram aprovados.

O doutor Davi Kopenawa ressaltou, em uma das defesas, que poucos brancos que vivem na cidade passam na prova de seleção de um mestrado, mas os três conseguiram.

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A segunda prova

Em seguida, vieram as dificuldades para se manter na cidade, com as despesas típicas de quem se desloca para estudar.

O coordenador do programa na Ufam, Caio Souto, para implementar suas bolsas, foi encontrá-los no xapono (aldeia) no lago Mamoriá, acima de Maturacá, nos altos do município de Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas.

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A terceira prova

Por fim, vieram as dificuldades de pesquisar e escrever dissertações que representassem seu modo de ver o mundo.

Para tanto, precisaram romper padrões, como a da tradição de longa escrita e de revisão bibliográfica que indique o estado da arte dos temas de pesquisa.

Eles inovaram fazendo uma autoetnografia, um método que consiste em explicar um universo a partir da própria experiência.

Por fim, foram aprovados com louvor, indicação para publicação e para a continuidade da pesquisa em doutorado.

As três onças

Kopenawa disse que eles eram como três onças, que tinham que andar juntas e ensinar os napës (não yanomamis) a ser gente.

O líder yanomami usou como exemplo as onças porque os grandes xamãs assumem imagem de onças para lutar com seres invisíveis que causam doenças ou infortúnios.

Disse ainda que eles eram como hekuras, xamãs no idioma yanomami. Para ser um hekura, é necessário anos de formação, estudo e provações. Quanto mais tempo dedicado a ser hekura, mais forte ele é.

Por isso, Kopenawa fez uma analogia do mestrado de Odorico, Edinho e Modesto, com o processo de formação dos hekuras.

Ele disse, segurando uma das dissertações:

“isso aqui é hekura, vocês não são hekura, mas isso aqui é hekura”, disse o doutor Davi Kopenawa.

A autora é antropóloga

Foto: divulgação