BR- 319 e a pressão sobre a floresta que segura o mundo

Artigo analisa impactos ambientais e interesses ocultos por trás da pavimentação da rodovia que corta a Amazônia.

BR-319: Justiça do Amazonas derruba licença do Ibama de Bolsonaro

Por Fabrício Paixão*

Publicado em: 09/07/2025 às 11:45 | Atualizado em: 09/07/2025 às 11:45

De vez em quando, uma verdade antiga reaparece com a força de uma revelação. Foi o que senti quando ouvi o cacique caiapó Raoni Metuktire dizer: “É a floresta que segura o mundo”. Não era frase de efeito. Era um alerta, desses que não vêm com gráfico, mas com autoridade de quem ouve a floresta antes mesmo de existir a palavra “ecologia”.

Há algo que me inquieta ultimamente, e não é apenas o calor amazônico. Tenho uma leve, porém persistente, impressão de que a súbita vontade de alguns pouquíssimos poderosos em pavimentar a BR-319 esconde mais do que discursos sobre desenvolvimento ou integração regional.

Esses poucos não usam a estrada, não vivem aqui, mas demonstram um interesse voraz por aquilo que ela inevitavelmente trará: pressão sobre a floresta.

E essa pressão, sabemos, tem consequências. Ao abrir caminho no meio da Amazônia, a pavimentação facilita o desmatamento, acelera a grilagem e empurra a floresta para os limites.

E justamente aí está o ponto: áreas degradadas se tornam atrativas para um tipo específico de negócio, o dos créditos de carbono.

É sabido que há mais investimento internacional destinado à recuperação de áreas desmatadas do que à preservação das que seguem intactas.

A lógica é estranha, mas real: floresta destruída, ou sob pressão de desmatamento, vale mais. O lema, não declarado, mas eficaz, parece ser: degrada primeiro, lucra depois.

Não estou dizendo que todos os que apoiam a pavimentação da BR-319 compartilham desse cálculo. Contudo, o problema é que muitos, sem saber, compram essa ideia de poucos. Reproduzem o discurso do “progresso” sem perguntar a quem ele realmente serve.

No fim das contas, os beneficiários diretos não estão nos caminhões, nem nas comunidades ribeirinhas, mas nas negociações de terras e ativos ambientais que virão depois.

Por isso, nós que vivemos na Amazônia temos o dever de refletir sobre esse interesse. Não podemos nos calar diante da pressa, porque quem tem pressa com a floresta geralmente não pretende caminhar nela, apenas passar por cima.

Adiante, exponho em simplicidade a importância da floresta que segura o mundo.

Pois bem, imagine uma única árvore amazônica. Ali, parada, sem fazer alarde, puxando mil litros de água do solo para o céu todos os dias. Mil. Sem precisar de bomba, cano ou manual técnico. Agora multiplique isso por 400 bilhões e você começa a entender que não estamos falando de mato, estamos falando da máquina que faz chover.

Olho o mapa do Brasil e vejo os “rios voadores”. Eles não aparecem no Google Maps, mas cruzam os céus levando umidade para o Centro-Oeste, o Sudeste, o Sul. São Paulo, Brasília, Belo Horizonte: todas dependentes da floresta, mesmo sem saber disso.

A Amazônia é nosso ar-condicionado natural, e, como todo ar-condicionado, só lembramos dele quando para de funcionar.

Os dados impressionam, mesmo para quem não gosta de números: a Amazônia guarda metade das florestas tropicais primárias do planeta. Um hectare da floresta tem mais espécies de árvores que toda a Europa.  Uma única árvore pode abrigar mais espécies de formigas que a Grã-Bretanha inteira. Sim, formigas, aquelas que invadem sua cozinha estão só começando.

Porém, nada disso parece bastar. Estamos vivendo o que os cientistas chamam de “decênio decisivo”. Uma forma educada de dizer: “Ou vocês fazem algo agora ou… boa sorte”.

Enquanto isso, a floresta some. A violência na região aumentou 260% nas últimas décadas. Entre 2012 e 2020, 317 defensores da floresta foram assassinados. E a sensação é que ninguém se comove com quem morre longe das câmeras.

A Amazônia não é só floresta. É o maior reservatório de carbono do planeta. Capturou, sozinha, um quarto das emissões globais de combustíveis fósseis desde 1960.

É também lar de 3 mil territórios indígenas, onde se falam línguas que o mundo nunca ouviu e talvez nunca ouça de novo. É uma enciclopédia de conhecimento vivo, com verbetes que ainda não fomos capazes de ler.

A conta é simples: sem Amazônia, não há clima. Sem clima, não há comida. Sem comida, … bom, você entendeu.

O cacique sabia disso antes de qualquer relatório da ONU. Sua frase não é metáfora. É manual de sobrevivência.

Salvar a floresta ou perder o mundo. Parece exagero, e talvez seja. Mas, infelizmente, exagero é uma das poucas coisas que ainda temos em abundância.

*O autor é advogado, psicólogo, filósofo, mestre em sociedade e cultura, doutorando em ciências ambientais e docente do Centro Universitário Martha Falcão Wyden.

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Foto: Dnit