Sobre o resultado do Festival Folclórico de Parintins
Neste artigo, a antropóloga Dassuem Nogueira fala de alegoria, revolta, desconfiança e novos tempos.

Por Dassuem Nogueira*
Publicado em: 11/07/2025 às 15:30 | Atualizado em: 11/07/2025 às 15:31
Com panelas frias, é possível ponderar o resultado do 58.º Festival Folclórico de Parintins.
Não nos cabe questionar a avaliação dos jurados e juradas, já que há um regulamento e comissões que balizam a escolha, a permanência e qualificações profissionais do corpo de julgadores.
Depois que estão com canetas nas mãos, não há mais o que ser feito. A não ser diante de fraude flagrante, o que, até hoje, não se viu.
Após o anúncio do resultado final, não há mais o que fazer, só aceitar, convencidos ou não de um julgamento justo.
Alegoria
Contudo, podemos ponderar o que vimos. E todos somos testemunhas de que o boi Garantido apresentou um conjunto de alegorias com acabamento ruim, algumas com ferragens aparentes.
Não é necessário entrar nas diferenças entre as alegorias de Garantido e seu Caprichoso nem os problemas que este teve por se apresentar grandioso, até demais.
Em comparação consigo mesmo, o boi vermelho e branco saiu se devendo.
É preocupante que, com o troféu de campeã nas mãos e notas 10 no item, a associação se sinta à vontade para seguir apresentando acabamento e mobilidade de alegorias que não faz jus à reputação que os artistas parintinenses construíram mundo a fora.
Não é público o que aconteceu para que fossem apresentadas assim. Mas, quem viu de perto, notou que o boi Garantido contou com a iluminação para disfarçar suas imperfeições.
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Revolta
Há barracos históricos relacionados ao resultado do festival na memória popular.
Houve o caso em que o boi Garantido, ao perder o festival de 1972, empreendeu uma enorme confusão que culminou em violência generalizada na quadra do centro cívico esportivo da paróquia do Coração de Jesus, localizada à avenida Sá Peixoto, bairro da Francesa, em Parintins.
Dizem os mais velhos que, da esquina com a Sá Peixoto até a praça do São Benedito, até as árvores da avenida Amazonas sofreram ataques do povo da baixa, revoltado com o resultado que acreditou ser injusto.
Em 2025, o presidente Rossy Amoedo protagonizou a cena que está documentada nos anais da internet, quando afrontou ao vivo o presidente da comissão julgadora, visivelmente, assustado.
Em seguida, se retirou da sala de apuração, sendo seguido por um séquito, cercado por seguranças que empunhavam porretes de madeira, convicto de fraude no resultado.
Dada a repercussão do Festival Folclórico de Parintins, a cena foi comentada nos sites de fofoca mais conhecidos no Brasil, como os de Hugo Gloss e Léo Dias.
Desconfiança
Os jurados são alvo de desconfiança desde os tempos primórdios do festival de Parintins. Ficou marcado na história o nome da jurada parintinense acusada de ser responsável pelo pentacampeonato do Garantido (1980-1984).
E, desde então, foram proibidos jurados parintinenses. Em seguida, foram proibidos os amazonenses; os nortistas; os cariocas (pela comparação com as escolas de samba); os gaúchos (em razão da rivalidade entre Grêmio/azul e Internacional/vermelho); os que, tendo nascido e se criado em outras regiões, tenham morado no Norte a partir de seis meses; os que tenham relações com membros de diretoria ou comissão/conselhos de artes dos dois bois.
Sabendo que o objetivo dos bois de Parintins é conquistar o Brasil, em breve, não será permitido aos brasileiros serem jurados, já que sua imparcialidade poderá ser permeada pela rivalidade do tão sonhado alcance nacional.
Novos tempos
Afinal, parece que o barraco da revolta e as acusações de fraude sobre os jurados viraram rituais dentro da grande ritualística do Festival Folclórico de Parintins.
Porém, a disputa entre Garantido e Caprichoso tem tido repercussão cada vez maior, alcançando ecos internacionais.
É de se perguntar: para o que contribuem as acusações de fraude e os barracos digitais ou ao vivo?
Como no mundo virtual, há de tudo, pode ser até que tais acusações sirvam como um atrativo (de baixo nível) para o festival.
Temos visto na seara política que o ódio e as teorias da conspiração engajam tanto ou mais que a paixão.
Nesse sentido, portanto, seria preciso apurar o sentido de bem público para ambas associações folclóricas.
Não se deveria retroceder em termos de qualidade do material artístico apresentado. E não se deveria alimentar, institucionalmente, a desconfiança sobre a credibilidade do festival.
*A autora é doutora em antropologia.
Foto: Dassuem Nogueira/ especial para o BNC Amazonas