Parintins é um festival conceitual

Festival alia tradição e cultura amazônica à cobrança por critérios objetivos de julgamento

festival conceitual

Aldenor Ferreira*

Publicado em: 09/08/2025 às 00:01 | Atualizado em: 09/08/2025 às 06:19

Em entrevista ao site amempauta.com.br, nesta semana, o presidente do Boi-Bumbá Caprichoso declarou que o Festival Folclórico de Parintins é altamente visual. Não, não é. O festival é, antes de tudo, conceitual. 

Segundo o site, as palavras do presidente foram as seguintes: “nada contra os antropólogos, mas nós estamos falando de uma festa altamente visual. Então, precisamos trazer pessoas que sejam desse meio, artísticos visuais, para julgar o festival”. 

Vamos por partes. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a festa protagonizada por Caprichoso e Garantido – um dos maiores espetáculos da Terra –, trata, em sua essência, de temas ligados à cultura indígena. Na verdade, quase a totalidade das abordagens e das apresentações da arena gira em torno dessa temática. 

Festival antropológico

Em itens específicos, como as figuras típicas regionais e lendas amazônicas, há cada vez mais espaço para questões relacionadas à cultura e à identidade de povos amazônicos não indígenas, como os negros e ribeirinhos, além dos próprios indígenas. Ou seja, no limite, o Festival Folclórico de Parintins tem como foco central os povos e comunidades tradicionais da Amazônia. Isso implica dizer que, se existe um especialista que precisa estar presente na banca julgadora, esse profissional é justamente o antropólogo.  

Nesse contexto, afirmo sem receio: é essa abordagem que chamou a atenção do Brasil e do mundo. Nenhum turista se desloca de outras regiões do país – ou do exterior – para ver “mais do mesmo”. A atratividade do festival está justamente na força das culturas indígena, cabocla, quilombola e ribeirinha amazônica. São essas expressões culturais que possibilitam o refinamento estético e o gigantismo do espetáculo apresentado na arena. 

Portanto, o Festival de Parintins é, antes de tudo, um espetáculo conceitual. É o conceito que engendra o visual. De fato, o visual é único – e exerce, há 58 anos, enorme fascínio tanto sobre o público local quanto sobre visitantes. Em outras palavras, trata-se de um festival antropológico.

Modernização do processo

Concordo com o presidente no que diz respeito à necessidade de modernização do processo de julgamento. Já tratei disso nesta coluna. No entanto, o problema não está nas pessoas que vêm a Parintins julgar o festival, mas, sim, no formato e nos critérios adotados para a seleção dos jurados – ou melhor, na ausência de critérios objetivos. 

O edital deste ano, por exemplo, não apresentou de forma clara e objetiva qualquer metodologia – seja quantitativa, seja qualitativa – para classificar os candidatos inscritos. Assim, mais importante do que a quantidade de jurados por noite, ou o nível de fama de cada um, é o aprimoramento dos critérios de seleção.

É fundamental estabelecer um ranqueamento com bases em notas objetivas. Por exemplo: a) livro publicado na área – X pontos; b) artigo científico em revista indexada – X pontos; c) músicas, vídeos, esculturas, desenhos, apresentações teatrais e outras produções culturais – X pontos. 

Tudo isso precisa constar no edital. Com base nesses (ou em outros) critérios, forma-se um ranking, e, a partir dele, os candidatos mais bem colocados comporiam o grupo elegível ao sorteio final dos nomes. 

Considerações finais 

A seleção de jurados – que é um processo público –, deve ser amplamente divulgada em nível nacional e amparada por critérios claros, objetivos e acessíveis a todos. A ausência de métricas e metodologias sólidas gera um ambiente propício à especulação, desconfiança e boatos. 

Por fim, como já mencionado, o Festival de Parintins é, antes de tudo, um festival antropológico – não uma festa meramente visual. Trata-se de um espetáculo de expressão cultural profunda, que articula enredo, personagens, tradição e desenvolvimento temático. É o conceito que sustenta a estética, e não o contrário. 

*Sociólogo

Arte: Gilmal