WhatsApp esvaziou debate na campanha eleitoral deste ano

Enquanto meios impressos perdem relevรขncia na campanha eleitoral, TV permite retroalimentar redes sociais

Neuto Segundo

Publicado em: 18/10/2018 ร s 14:45 | Atualizado em: 18/10/2018 ร s 14:45

As eleiรงรตes presidenciais de 2018 inauguraram uma nova maneira de se fazer campanha eleitoral no Brasil, conforme os especialistas ouvidos pelaย Agรชncia Brasil. O horรกrio eleitoral gratuito no rรกdio e na televisรฃo perdeu a atenรงรฃo quase exclusiva dos eleitores, que tambรฉm nรฃo seguem mais seus candidatos em carreatas ou passeios pรบblicos – mas em espaรงos virtuais fidelizados como os perfis dos polรญticos nas redes sociais.

โ€œร‰ quase uma nรฃo campanhaโ€, considera o cientista polรญtico Malco Camargos, professor da PUC Minas. โ€œO elemento novo sรฃo as redes sociaisโ€, assinala a diretora-executiva do Ibope, Marcia Cavallari. โ€œร‰ um fenรดmeno novo, ainda em testeโ€, opina Beatriz Martins, autora do livroย Autoria em Rede: os novos processos autorais atravรฉs das redes eletrรดnicas,ย ao se referir a campanha eleitoral deste ano.

Com essas mudanรงas, o debate pรบblico ficou esvaziado. Em vez da discussรฃo de propostas sobre geraรงรฃo de emprego, atendimento ร  saรบde, qualidade do ensino, transporte ou seguranรงa pรบblica, eleitores usam seu tempo compartilhando memes com supostos atributos do seu candidato ou com defeitos do oponente.

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โ€œAs mensagens correm em grupos fechados, dentro das bolhas. Esse ambiente nรฃo se caracteriza como espaรงo pรบblico. Nรฃo hรก oportunidade de contraditรณrioโ€, descreve Beatriz Martins. Nem sempre os conteรบdos repassados sรฃo comprovados.

Familiares, amigos e colegas de trabalho se tornaram cabos eleitorais engajados, compartilhando inรบmeras mensagens por dia, por vezes falsas,ย como atesta avaliaรงรฃo de 347 grupos de WhatsApp feita pelos professores Pablo Ortellado (USP), Fabrรญcio Benvenuto (UFMG) e a Agรชncia Lupa de checagem de fatos. O estudo mostra que entre as imagens mais compartilhadas apenas 8% podem ser classificadas como verdadeiras.

Campanha eleitoral temย  desinformaรงรฃo

Para Fรกbio Gouveia, coordenador do Laboratรณrio de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da UFES, โ€œconsolidou-se uma tendรชncia que jรก estava em curso antes da eleiรงรฃo: violรชncia simbรณlica, desconstruรงรฃo de imagem e desinformaรงรฃoโ€.

O especialista avalia que a maneira como sรฃo usadas as novas mรญdias afeta a credibilidade dos meios tradicionais. โ€œHรก uma cruzada que pรตe em xeque a legitimidade da imprensaโ€. Segundo ele, รฉ preocupante o comportamento social disseminado entre eleitores de dizer que โ€œa mรญdia menteโ€ quando confrontados com notรญcia apurada contra o seu candidato.

Gouveia alerta que a desqualificaรงรฃo constante do trabalho da imprensa e a dificuldade de perceber quando a notรญcia รฉ falsa ou verdadeira sรฃo prejudiciais ร  democracia. โ€œIndependentemente de quem venรงa emย 28 de outubro, esse estrago estรก feitoโ€, registra.

Esvaziamento dos jornais e importรขncia da TV

โ€œร‰ preciso ensinar as pessoas a lidarem com tanta informaรงรฃo. Saber o que รฉ confiรกvel e o que nรฃo รฉโ€, pondera Beatriz Martins. Ela, que รฉ jornalista, aponta o โ€œesvaziamento dos jornaisโ€ que โ€œperderam pesoโ€ com a demissรฃo de jornalistas e diminuiรงรฃo de redaรงรตes.

Para o filรณsofo Nรฉlio Silva, mestrando na UFScar, o baixo รญndice de leitura dos brasileiros รฉ um problema que agrava a circulaรงรฃo de notรญcias falsas. Por causa disso, segundo ele, a televisรฃo ainda รฉ importante e debates entre os candidatos ร  Presidรชncia poderiam fazer os eleitores conhecerem melhor as propostas de Jair Bolsonaro (PSL) e de Fernando Haddad (PT).

Para Marcia Cavallari, do Ibope, a televisรฃo teve papel fundamental na campanha. Ela lembra que muitas imagens compartilhadas por WhatsApp, Facebook, Twitter ou Instagram foram replicadas de entrevistas e debates ocorridos nas emissoras de TV. โ€œUma coisa alimenta a outraโ€, avalia. O cientista polรญtico Malco Camargos concorda e lembra que a TV foi central na cobertura do atentado a faca sofrido por Bolsonaro em Juiz de Fora/MG, no mรชsย de setembro.

Fonte: Agรชncia Brasil – Foto: Marcelo Camargo/AgBR