O bilhete afrodisíaco
Publicado em: 23/01/2010 às 00:00 | Atualizado em: 23/01/2010 às 00:00
O lencinho de mesa de lanchonete ainda estava nas mãos do Julinho. Ele o guardava, bem guardado, em uma caderneta de anotações. Poderia ser apenas um pedaço de papel para qualquer pessoa, menos para ele. Era a faísca que tacou fogo em sua esperança. Após 45 anos, quatro décadas e meia, finalmente, teria ao seu lado uma pessoa interessada por ele, sem precisar pagar pelos serviços.
Levou uma semana pensando que talvez aquela fosse a primeira e única chance de ter a companhia de uma mulher para sempre. Até imaginou uma casa. Ele e ela juntos, juntos e sós nos primeiros anos e nos anos seguintes um lar cheio de crianças chorando por todo lado. A imaginação era tanta que até pensava no nome do primeiro filho: chamaria-se Júnior, Júlio Júnior.
Todo esse festival de ideias se sucedeu depois do bilhete que recebeu quando fazia um lanche no Shopping São José. O papel apareceu do nada em sua mesa. Foi ao banheiro e ao voltar à cadeira ele já estava ali aberto em sua direção. Olhou para um lado e para o outro tentando captar uma biscadela feminina, mas não conseguiu nada. Chamou a garçonete. Ela também nada sabia.
Mas o Júlio não desanimou. Tentava esconder a felicidade, tentava reprimir o sorriso que se abria euforicamente, mas não conseguia. Se pudesse (Júlio tem problemas nas pernas e dificuldade para mexer o braço direito e fechar a mão esquerda), ele sairia de lá pulando e chutando de alegria tudo o que visse pela frente. Deve ter feito isso na imaginação.
Era tudo o que o Julinho queria. Sonhou tanto com isso que chegou a alugar um quitinete sobre uma casa noturna, na avenida Grande Circular, na Zona Leste, a alguns metros do shopping onde faz suas refeições. Disse-me, certa vez, que nunca assistiu a um show de streep tease ali porque sempre foi visitado por suas vizinhas nos dias em que recebe seu benefício da Previdência.
A reviravolta em sua vida estava escrita naquele lencinho. Era pouca coisa. Apenas três vírgulas, um dois pontos, duas aspas, uma abrindo e outra fechando, oito números e onze letras, dizendo: “Oi, Júlio, se você “ainda” se interessar por mim, me liga: 911x-789x”.
“Cara, assim que li o bilhete, meu fogo atiçou como nunca”, disse-me o Julinho ontem, quando embarcou no mesmo ônibus no qual retornava do trabalho para casa. Meu colega de trabalho ficou mais excitado porque o bilhete trazia número do telefone e nome dele. Mas ficou embaraçado com o “ainda”. Quem poderia ser? Não lembrava de ninguém que tivesse se interessado por ele e ainda mais naquele mundo onde mora.
Julinho não hesitou. Tão logo voltou do trabalho, passou no mesmo shopping, comprou um celular, foi para o quartinho, leu o bilhete pela enésima vez, excitou-se pela enésima vez e estreou o aparelho com uma ligação para número do bilhete. “A voz dela era mais afrodisíaca do que o bilhete”, relatou-me, dizendo que combinaram um encontro para uma semana depois.
E assim aconteceu:
Uma semana depois, no horário combinado, ele ligou para ela, porém, do outro lado da linha, a voz da mulher do bilhete afrodisíaco, atendeu com palavras melosas:
– Pôxa, você é pontual. Chegou dez minutos antes.
Julinho, que ainda estava perfumando o corpo, estranhou:
– Mas eu ainda estou em casa.
E ela respondeu mudando o tom da voz.
– Então não é você que eu quero. O Júlio que eu quero acabou de passar na minha frente, na lanchonete.
Lamentei a frustração do amigo e ele me fez um apelo: “Você pode contar isso no busão?”.
*Escritor, filósofo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam.
Ilustração: Romahs.