O resgate da Montanha
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 13/03/2010 às 00:00 | Atualizado em: 13/03/2010 às 00:00
Da janela do 300, vi um homem alto e forte, de calça branca e camisa vermelha, caminhando com um violão pendurado em suas costas na posição diagonal. A camisa desabotoada abanava-se para trás à medida que ele caminhava em direção a uma casa noturna da Cidade Nova. O andar o diferenciava das outras pessoas que estavam ao seu lado. Movia-se de um lado para o outro, como balanço de canoa desalagada.
Ainda coloquei a cabeça para fora para me certificar de que meus olhos não me enganavam, afinal, os sentidos costumam nos iludir. Mas, não! Era o Monta! Era ele mesmo! Sim, era o Monta porque os outros que o acompanhavam também carregavam instrumentos musicais. Um segurava pandeiro; outro, um cavaquinho; o terceiro, um surdo; e o último, uma caixinha.
Monta é músico. E dos bons. Conheço-o não faz muito tempo. Fui apresentado a ele em uma roda de toadas. Fiquei impressionado com uma habilidade que possui, cuja capacidade não imaginava que pudesse existir. Monta consegue imitar a si próprio. Muda de voz, faz trejeitos nas mãos e aponta a boca, como quem assovia, e isso para caçoar de si mesmo.
No dia que o conheci, em janeiro passado, Monta contou a história do dia em que foi resgatar o pai, que decidiu beber em frente à igreja São José Operário, em pleno dia de novena do padre Sérgio Lúcio. Por telefone, a família foi avisada que Montanha (pai de Monta) estava jogado ao chão. Tinha virado atração da garotada, que se divertia com as músicas que ele interpretava com sua voz de tenor.
Os irmãos de Monta não perderam tempo. Correram para a igreja. Era verdade. Seu Montanha estava ali, estragado. O filho mais novo pediu com carinho, a filha única suplicou-lhe, quase chorando, que fosse para casa. Mas nada. Tentaram carregá-lo. Impossível. O homem fazia jus ao nome. Pesava mais de 120 quilos, quiçá mais, como fazia questão de observar meu amigo músico.
Com a missão fracassada, sobrou para Monta. Era o filho mais velho, o único que estava casado e a quem o pai sempre costumava atender. Foi escalado para tirar o pai da calçada e a família do vexame. O problema é que Monta havia acabado de chegar de uma festa. Mesmo assim, convencido pelos argumentos dos irmãos, animou-se a levar Montanha para casa.
Nessa hora, quando começou a me falar do resgate, Monta balançou os ombros, fez um biquinho na boca e relatou o diálogo que trocou com o pai:
“- Papai, vamos para casa.
O velho respondeu:
– Não, meu filho, hoje eu quero ver o milagre de São José.
Aí, eu endureci a conversa (disse ele franzindo a testa):
– Pô, pai, olha a vergonha que o senhor está ‘fagendo’ para família! Vamos para ‘caja’. Vai, pai, ‘bora’ logo.
Mas o papai riu e falou:
– Agora, que tu tá bonito, que tu é famoso, que vem querer me dar lição de moral. Olha quem está falando. Nem parece que tu bebe!
Pô, cara, eu caí do cavalo e respondi:
– O que é ‘icho’ aí?
O papai respondeu:
– Corote.
E eu continuei:
E ‘icho’ aí?
– ‘Teperabá’.
Aí, eu falei para ele:
– Então, me dê uma dose. E ficamos lá até acabar a novena.”