Asfalto no Beco da Indústria
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 29/07/2010 às 00:00 | Atualizado em: 29/07/2010 às 00:00
Lúcia Carla Gama*
Quando nos mudamos para o Beco da Indústria vindos do Parque Tropical,
em 1978, não havia asfalto na rua. Eram pedras vermelhas, irregulares,
que compunham o cenário das nossas danações de crianças. As pedras nos
doíam nos pés descalços e nos faziam sonhar com o dia em que o asfalto
chegaria àquele canto do bairro Aparecida.
Queríamos andar de bicicleta e patins na frente de nossas casas e
correr, disputando a barra bandeira e as manjas variadas sem tanto
sofrimento para os pés e, ainda, desenhar macaca no preto da rua, só
possível, àquela altura se fôssemos para a Wilkens de Matos, rua
perpendicular à nossa, onde nem sempre as mães nos autorizavam chegar.
Daí porque no dia em que apareceu um caminhão de asfalto e todos os
apetrechos necessários à obras lá pelas bandas do Beco da Indústria eu
quase enlouqueci.
Mãe Dora trabalhava no Iteram e Lulinha e eu, já mais taludinhos,
ficávamos sozinhos em casa, esperando a hora do almoço para esquentar
a comida, almoçar, tomar banho e seguir para a escola.
E nada de rua pela manhã! Era a recomendação da mãe, que não valeu
nada naquela manhã de um mês e ano que não me lembro. Porque assim que
começou o movimento dos trabalhadores e as máquinas para a operação de
asfaltamento da rua eu comecei o meu movimento de informação à mãe
Dora, mesmo que ela não tenha pedido.
Telefone na porta de casa por conta do fio comprido – moda naquela
época quando não havia telefone sem fio ou não havia grana para
comprar o aparelho moderno – disquei certamente mais de 20 vezes o
236-2415 do Iteram, pedindo todas as vezes para Glorinha, a
telefonista, transferir, com urgência, a ligação para o departamento
de pessoal. “Não é nada demais, Glorinha, mas preciso muito falar com
a minha mãe”, dizia, como que justificando as ligações insistentes.
E fui dando a mãe Dora satisfação do que acontecia em nossa rua. “Eles
tão no começo do beco, lá em cima, perto do Cônego Azevedo, jogando um
líquido preto primeiro!” E minha mãe assentia positivamente sobre a
informação. “Mãããe! Agora tão botando um pó preto, que deve ser o
asfalto!”. Tudo certo, filha, dizia ela. “Mãe Dora, agora tão batendo
o pó preto no chão!”. Tá bom , Carla, respondia de lá. “Mããããe, agora
tão passando um rolo grande no beco inteiro!”. Certo, minha filha,
certo, é isso mesmo… E finalmente, “mããããe, o beco tá asfaltado.
Todinho!”.
Depois daquela manhã, acompanhada atentamente também por dona Tereza,
dona Glória, dona Olga e toda a criançada, nunca mais se viu as pedras
vermelhas no Beco da Indústria ou pelas ruas de Aparecida. O asfalto
nos trouxe a uniformidade no piso, algum calor, a possibilidade de
novas danações e cobriu parte da história do bairro, fez desaparecer
os trilhos dos bondes que cruzavam sobre o piso irregular levando e
trazendo vidas na Manaus da década de 80 do século passado.
*A autora é jornalista