Meu pequeno vizinho super-herói
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 15/06/2010 às 00:00 | Atualizado em: 15/06/2010 às 00:00
*Neuton Corrêa
Num fim de tarde desta semana, Marcos Victor apareceu na rua ainda molhado. Havia acabado de sair do banho. Estava com a mãe, que, de quando em vez, aparece por lá. Pelas pontas, com as duas mãos, como uma capa de super-herói, ele segurava uma toalha que passava sobre suas costas, à altura do ombro, e brincava com o pano como se estivesse voando.
Marcos Victor é aquele meu pequeno vizinho. Lembram dele? Encontrei-o em um ônibus brincando com dois bonecos de plástico. O encontro me fez perceber que ele vive a infância como qualquer menino de sua idade, apesar da vida adulta que leva. Victor foi abandonado pelos pais em uma bocada quando ainda tinha três anos e conhece os códigos do mundo em que vive, apesar de seus seis anos de idade.
A primeira vez que falei sobre Marcos Victor, aqui neste nosso encontro de todos os sábados, faz quase um ano. Queria dividir com vocês um pouco do muito que testemunho quase todos os dias. Foi no fim de maio do ano passado. Achava que ele daria apenas uma crônica, mas, hoje, já me convenço de que um livro é pouco para descrever o universo que vive a poucos metros de casa.
Depois de publicar a primeira história, surgiu a segunda, após descobrir que Victor estava internado em um pronto-socorro da cidade. Ele havia sido molestado por um viciado que frequentava a bocada. Era festa de São João, mas a fogueira junina ardia triste. Por fim, em setembro, com alegria, relatei que uma família o havia resgatado e que ele estava protegido, estudando e vivendo com crianças de sua idade.
De lá para cá, alguns vizinhos me procuraram para contar um pouco do que sabiam sobre o meu pequeno vizinho. Uma dessas histórias encharcou meus áridos olhos. Victor havia aparecido na rua cambaleando, com a voz pesada e os olhos vermelhos. Era efeito de uma noite de festa em sua casa. Socorrido, passou manhã e tarde dormindo na casa da vizinha. Naquela época, ele tinha quatro anos de idade.
Tão logo a vizinha me contou esse episódio, como um juiz que decide o destino alheio, julguei que não deveria mais tocar no assunto. Para mim, o filme, a novela, como queiram, havia acabado. E terminado como uma fábula, com final feliz para a personagem principal. Afinal, ele estava protegido. Mas Victor não é ficção nem a história dele chegou ao fim.
Em junho, no dia em que Victor foi levado para o pronto-socorro, por muito pouco, a bocada não registrou um assassinato. O pai de criação de meu pequeno vizinho, um rapaz de 22 anos, tomou as dores da violência contra a criança e tentou fazer justiça com as próprias mãos. Só não concluiu o serviço porque foi contido por populares.
Pois este ano, há cerca de três meses, foi a vez de Marcos Victor agir em defesa do pai adotivo. O rapaz andava depressivo e resolveu decretar o fim de sua vida. Na cozinha da casa, preparou uma forca. Victor observou passo a passo a montagem da engenhoca suicida. Mas quando o ato final foi executado, Victor saiu gritando pela rua e conseguiu atrair a atenção dos adultos que salvaram seu pai.
Desde aquele dia, eu passei a ver meu pequeno vizinho não como um herói, mas como um super-herói, que agora usa até supercapa.
*Filósofo, mestre em Sociedade e Cultura/Ufam.