Crônica para uma dama que acaba de partir*
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 22/09/2010 às 00:00 | Atualizado em: 22/09/2010 às 00:00
Nunca desejei tanto não ser ateu, como hoje, para poder acreditar que há uma existência posterior a nossa fase humana.
Quem sabe, um local onde não existam distâncias e aquelas circunstâncias que, por vezes, nos obrigam a ficar longe de algumas pessoas que a gente ama.
Uma nova chance, para o ser egoísta que sou, poder ficar próximo o tempo todo – se é que lá existiria o fator tempo – de uma criatura ao mesmo tempo tão frágil mas tão forte e tão doce.
Para poder acreditar que tudo não acaba por esta terra de tantas amarguras e sofrimentos, mas que tem sim uma continuidade em um plano superior.
Dentro da tristeza infinita que machuca o meu coração hoje, pensar na possibilidade acima até que me dá um certo alento.
Que felicidade imaginar que Dona Celuta vai poder reencontrar seu amado João. Quem sabe os dois não batam um papo amigo com meu pai e minha queria Vó Via?
Se tal lugar existisse, me consolaria muito hoje.
Seria legal saber que na hora da minha morte eu os encontraria, pelo menos para dizer o quanto eu os amava e tentar consertar alguns erros que cometi com eles.
Mas este consolo eu não tenho.
O ser ignorante que sou, não consegue acreditar em algo assim. Minha limitação me prende ao raciocínio que somos apenas um pó espacial perdido na imensidão do universo e que tudo acaba na lápide de um cemitério qualquer.
Mesmo assim, Dona Celuta, mesmo que não exista mais nada, valeu muito a sua quase centenária existência terrestre. Foi uma honra poder conviver com uma figura tão humana, que suportou tantas dores com altivez, humildade, resignação e mais um conjunto de qualidades tão contrastante quanto raro.
A senhora, que rezava tanto e acreditava tanto em Deus, quem sabe tenha uma razão que eu não consigo ter. Quem sabe, do alto da sua sabedoria, a senhora enxergou todo esse tempo o que o insignificante deste seu genro não conseguiu.
Torço para a senhora estar certa e eu errado. Como sempre.
Costumo dizer que “algumas presenças são menos sentidas que certas ausências”.
A senhora mal acabou de partir e eu já estou morrendo de saudades.
*Carlos Lodi, em 18 de setembro de 2010.