O caseiro

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 15/08/2010 às 00:00 | Atualizado em: 15/08/2010 às 00:00

Neuton Corrêa*

Não pude observar os pormenores nem os “pormaiores” de como elas eram. Disso me arrependo por ter subido tão apressadamente a bordo 541, no Centro, e não ter sentado estrategicamente, como sempre faço. Nem havia motivo para tanta pressa. Afinal, a viagem era longa e o busão não estava lotado. Sobravam assentos, mas faltava-me audácia de repórter para me posicionar de um jeito que pudesse captar melhor a conversa delas.

Na hora, até pensei que pudesse trocar de lugar, mas meus movimentos poderiam fazer com que elas mudassem de assunto. Então, segurei a bisbilhotice e falei para a excitação do passageiro-repórter que apenas ouvisse. Ainda assim, a cabeça não se quietava, querendo olhá-las.

Agora, uma semana depois, reviro em minhas lembranças alguma coisa para caracterizá-las, para a gente conversar melhor hoje, nesse nosso encontro de todos os sábados. A única coisa que recordo é que uma delas carregava uma sacola branca, de plástico duro, pendurada no braço direito, que se apoiava no assento da frente, onde eu sentava. Sabia disso porque aquela mãozinha cheia de anéis era a única coisa que o canto do meu olho alcançava.

Ah, o plástico duro. Sim, por que sei que era um plástico duro? Porque houve um momento em que ela abriu a sacola e o barulho de caminhada em folha seca começou a tomar conta do ônibus. E, quando a estaladeira começou, uma dizia para a outra, ainda em sussurros:

– Esse é bom, mesmo?

– É, é bom! – atesta a interlocutora.

– E esse?

– Tem um perfume bom, mas você vai ter que tomar o banho com outro, porque ele é muito forte.

Elas estavam tão entretidas a falar de aroma que o cheiro da conversa das passageiras parecia ter chegado ao meu nariz. Deu-me até vontade de repensar a decisão que tomei, no dia 10 de dezembro de 1996, de nunca mais usar perfume. Lembro tão precisamente da data, porque foi um dia depois de meu aniversário. Eu estava doente da festa do dia anterior e, por onde passava, assim que sentia cheiro de perfume, arrependia-me dos exageros etílicos.

Acontece, amigos do busão, que a conversa delas não era apenas de perfume. Depois dos cheiros, as passageiras começaram a misturar tudo:

– Você pega isso aqui, mistura com esse aqui, e com isto aqui…

Nem imagino o que ela apontava, mas a amiga reagiu como se o ar tivesse fugido de seus pulmões:

– Ahhh!!!  Com isso?!

– É, com isso mesmo!

– Mas…

– Faz, menina! Você quer que ele continue saindo?

A outra ficou calada, e a amiga insistiu:

– Ele não precisa ver. Ele não vai saber!

Depois disso, um longo silêncio se fez entre elas, quando a amiga que animava a outra voltou a falar:

– O meu também era brabo! Bebia, bebia, chegava em casa querendo me bater. Só vivia na rua. Peguei esse banho, e taí. Agora, virou caseiro, caseiro!

No terminal da Cachoeirinha, elas desceram e eu nem fiz questão de olhá-las.

*Jornalista, filósofo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam.

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