Seu Zé

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 04/08/2010 às 00:00 | Atualizado em: 04/08/2010 às 00:00


Neuton Corrêa*

Preparava-me para pegar o 306 no Aeroporto Eduardo Gomes, quando encontrei um cidadão sentado olhando para cima, com a perna esquerda cruzada sobre a coxa direita, suave e distraidamente balançando o pé. Ele vestia uma camisa de botões e uma calça marrom e calçava uma sandália de couro, tipo franciscana. Nas mãos, segurava uma sacola amarela, na qual se podiam observar chapas de raios X e alguns papéis.

De longe, parecia um velho conhecido, mas, de perto, apenas parecia. Devo ter me enganado pela semelhança dele com o meu pai: magrinho, baixinho e com raros cabelos brancos (apesar da idade) penteados para o lado direito. Chamou-me a atenção também o fato de ele se manter naquela posição, de pernas cruzadas, por um longo tempo. Eu não aguentaria. Está aí uma posição que não combina comigo. Quando faço isso, é câimbra na certa.

Eu estava no aeroporto, agoniado. Havia chegado de férias. João Paulo, o Bodó, ofereceu-se para me apanhar no desembarque. Prometeu estar lá 21h30, meia-hora antes da chegada do voo, mas até as 22h30 não apareceu. Mais agoniado fiquei quando o primeiro 306 passou e eu ainda estava ali esperando o JP.

Para disfarçar a impaciência, sentei e puxei conversa com o cidadão, que se apresentou com o nome de Zé, apenas Zé: “Pode me chamar de Zé” – concluiu.

– O senhor vai viajar, seu Zé?

E ele respondeu suavemente:

– Não, estou chegando.

– Está esperando alguém?

– Minha acompanhante! – respondeu abrindo um leve sorriso.

– O senhor não conhece a cidade?

E ele:

– Não, ela vai me levar agora para o hospital.

– Hospital?! O senhor vai agora para o hospital?

E ele, de novo, calmamente:

– É, estou com um probleminha!

– O que é? – insisti e ele ainda mais pacientemente respondeu:

– Estou com uma pedrinha impedindo a passagenzinha de água para bexiga.

Assustei-me, mas não deixei que ele percebesse e continuei o interrogatório, lembrando-me do resgate que fiz de meu pai no dia 13 de setembro do ano passado, quando ele travou a urina com problema de próstata. Nem queiram saber! A dor de meu pai parecia que era em mim. Foram quatro horas, entre o primeiro sinal de dor ao atendimento (outro dia conto isso).

Pois bem, com essa lembrança, perguntei:

– Faz quanto tempo com a urina presa?

E ele, tranquilamente:

– Trinta horas!

– Há trinta horas o senhor não urina!

Fiquei preocupado com a resposta e propus pegar um táxi para levá-lo onde quisesse, mas ele me tranquilizou:

– Não precisa, ela está chegando.

– Quem é sua acompanhante?

– Minha esposa.

– Ela mora aqui? – repliquei.

– Não, ela está fazendo um tratamento de saúde.

– O que ela tem?

E ele, suavizando a resposta, falou:

– Está com câncer, mas tá tudo bem…

Bodó apareceu e despedi-me de seu Zé. E a angústia que eu sentia para sair do aeroporto desapareceu. Tanto que até agradeci ao João Paulo por não ter chegado na hora combinada.

*Jornalista, filósofo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam.

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