É hora de emborcar o cocho

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 30/07/2012 às 00:00 | Atualizado em: 30/07/2012 às 00:00

Wilson Nogueira*

A insegurança piorou a qualidade de vida em Manaus. Faz tempo, mas só agora foge do controle da operação abafa do Governo do Estado em aliança com os setores comensais das elites econômicas e políticas. A ineficácia da proteção constitucional e o domínio dos bandidos, por meio do medo, amordaçam a sociedade. Denunciar para quem e para que? O efetivo atendimento aos apelos da população, pelos órgãos da segurança pública, é pífio, para a alegria dos malfeitores. Resta aos cidadãos de bem, principalmente àqueles que não podem contratar a polícia privada, reforçar as trancas da casa. Não há bairro em que o pequeno comerciante não esteja atendendo aos seus clientes em balcão por trás das grades.
Manaus vive, atualmente, sob o medo da violência que, longe de ser apenas um fantasma, é pura realidade revelada nos assaltos, nos latrocínios e nas execuções a sol a pino. A situação é tão grave que se torna difícil admitir que exista policiamento regular na cidade – ou que haja punição exemplar aos que afrontam as leis. Sem garantia de proteção, a tendência do cidadão comum, até por questões de sobrevivência, é silenciar, comportamento que só favorece não-punição dos delinquentes e dos maus governantes. A impunidade é a filha-dama da Omertà. Que digam a Itália dos mafiosos, o Japão da yakuza, a São Paulo do crime organizado do tipo PCC e os morros cariocas das meliças que controlam o tráfico de drogas e armas.
O problema não é fácil de resolver, porque é sintoma de um estado contaminado pela corrupção dos valores éticos e morais das suas instituições. Mas é preciso gritar: o péssimo exemplo vem de cima! Os ladrões de colarinho branco assaltam os cofres do contribuinte, enquanto juízes, parlamentares, promotores e policiais se corrompem e amolecem as folhas das leis. Assim, estimulam a si mesmos e aos facínoras a agir com a certeza de que não serão punidos. O dinheiro público desviado pelos criminosos faz falta na escola, na saúde, na segurança e na promoção da justiça. A indiferença à aplicação correta do dinheiro público alimenta o circulo vicioso que se espalha, com rapidez espantosa, por toda sociedade em razão da escassez de atitudes altruístas dos que deveriam dar bom exemplo.
Corrompido até a medula, o (des)governo tenta se sustentar nas bravatas espetaculares. Acossado pelos ladrões que ele mesmo alimenta, o estado faz-de-conta que toma alguma providência. Põe soldados armados com metralhadoras nas esquinas movimentadas e encharca a mídia com propaganda paga com o dinheiro do contribuinte para causar sensação de segurança. Simulacro vergonhoso! Ao invés de atender aos apelos das vítimas, os gestores de plantão preferem adotar a recomendação dos herdeiros de Goebbels. Os marqueteiros de esquina são impiedosos na arte de dissimular: repetem, repetem, repetem…, para ver se cola na sociedade uma realidade inventada por suas fantasias estimuladas por cifrões.
Mas os sentidos que se excitam com a profusão de sons e cores da propaganda são os mesmos que se compadecem e choram os seus mortos. E como se tem chorado em Manaus nesses dias de matança de taxistas que, heroicamente, saem às ruas para quebrar o silêncio que protege o medo! Outros trabalhadores e seus familiares também derramam suas lágrimas porque perdem seus entes queridos na saída ou no retorno para o lar. Noutros dias tombam jovens em provável guerra entre traficantes por pontos de vendas ou por quitação de débito por consumo de drogas, segundo versão da polícia. As mortes atribuídas à guerra do tráfico, aliás, parecem não ter importância alguma: nem para a polícia nem para setores da sociedade que preferem lavar às mãos a encarar as drogas como um problema coletivo. Afinal, são, em grande medida, os consumidores das classe média e alta que financiam, por meio do consumo, os negócios do narcotráfico.
Por isso, não importa quem ou quantos choram. Se os elefantes choram seus mortos por que os humanos não haveriam de chorar os seus? Estranho mesmo é constatar que a vida se transformou numa mercadoria sem valor no banquete da violência, onde não se distinguem mais quem são os homens bons e quem são os homens maus. Todos parecem comer no mesmo cocho. Então, é hora de a sociedade reagir e emborcar o cocho.

* O autor é jornalista e escritor

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