Depois que fez apresentação preliminar da metodologia de trabalho no seu curso de mestrado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), cujo tema é “A bolsonarização da esfera pública: uma análise foulcatiana sobre (re) produção de memes a partir dos discursos de ódio nas falas de Bolsonaro”, na semana passada, a vida de Cris Guimarães da Silva “virou um inferno”, dito em termos populares.
A mestranda teria passado a ser vítima de “linchamento” nas redes sociais, a receber ligações ameaçadoras, ver seu endereço residencial divulgado e, o mais grave, ter o seu carro depredado no estacionamento da Ufam nesta segunda, dia 25.
Não há informação se Cris registrou a ocorrência em uma delegacia da polícia.
Essa denúncia está sendo feita em vários perfis no Facebook desde ontem. E em praticamente todas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente da República, é acusado de incitar seus seguidores em redes sociais contra a estudante.
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Liberdade de expressão arranhada
O sociólogo e comunista Lúcio Carril se manifestou ao BNC Amazonas como sendo o fim da liberdade de pensamento e expressão.
Elzivir Lula Da Silva Azevedo Guerra disse em seu perfil que é “muito lamentável e absurdo o que está acontecendo com parte dos brasileiros e suas atitudes bárbaras contra a liberdade de expressão e pensamento. O perigo é que cada um de nós pode ser vítima. Vamos combater e denunciar estes absurdos e continuar na luta”.
Manifestando apoio a Cris, ele transcreveu texto de Sérgio Freire sobre o episódio:
“O desgovernado furacão de ódio”
“O trabalho da mestranda do PPGL/UFAM Cris Guimarães sobre a bolsonarização e o discurso de ódio, orientado pelo Leonard Costa, hitou no Facebook e no Twitter. A foto da Cris apresentando o trabalho no Seminário de Linguagem e Literatura circulou em vários sites, páginas, tweets, sendo até alvo de comentário de um dos filhos do Bolsonaro. Eu li todos os comentários na postagem do Eduardo Bolsonaro, assim como li todos os comentários em algumas páginas para onde a coisa foi levada. Algumas coisas a dizer.
A primeira coisa é autoevidente. O trabalho foi tragado para o furacão desgovernado e nonsense que é esse discurso de ódio que mistura raiva psicanalítica do espectro político de esquerda, perversidade fascista, indigência intelectual com fortes sabores de psicopatia social. Exatamente o que Cris se propõe a mostrar com seu trabalho. Por mim, nem precisa defender o trabalho. Se me chamarem para a banca, o trabalho já está aprovado porque está mais do que demonstrado o ponto da pesquisa.
Os ataques são raivosos. Dá para ouvir as rosnadas. Expõem as pessoas sem o mínimo de responsabilidade à matilha ignara hidrofóbica. No Twitter, gente pedindo a cabeça do Leo, da Cris, links para seus lattes. Prato cheio para um processo por injúria, calúnia, difamação. Mas essa gente, feito zumbis, se acha imune às responsabilidades civis. Sobrou até para o reitor, “que permite uma atrocidade dessas”, numa demonstração cabal de como essa gente deixa o ódio destilar, derretendo os dois únicos neurônios que insistem em se manter ativos, não sabendo como funcionam as coisas no mundo acadêmico e como um reitor deve ser o primeiro responsável por zelar pela pluralidade do espaço acadêmico.
Sim, pois na universidade o espaço é plural e tem de ser. Se o Zé diz A e você acha que A dito não procede, construa suas argumentações e debata com o Zé até que, por argumentações lógicas – o que um luxo para essa gente – se supere as diferenças. Mas não. Cortem-lhes a cabeça, quebrem o carro deles (aconteceu com a Cris como subproduto desse episódio), apaguem essas pessoas, metafórica e literalmente, como fizeram com Marielle e tantos outros. O que eu quero dizer, é que essa gente não sabe viver na política da superação, da diferença. Turbinado pelo discurso de ódio do bolsonarismo – olha, Cris! – fomenta a política da supressão, do apagamento daquilo que não lhe agrada. Dane-se a lei. Dane-se a lógica. Dane-se o respeito. Como se diz: são liberais na economia e conservadores nos costumes. Acrescentaria eu: são perversos nas práticas e alucinados no raciocínio. Você ventila garantias sociais e a metralhadora dispara: Lula, PT, Venezuela, Cuba, Dilma, além dos chavões e clichês que pretensamente lhes dão legitimidade e os fazem se sentir gente cheia, vazios que são.
Uma pergunta sempre vem numa hora dessa: onde estava essa gente, meu Deus? Estavam todos aí, com suas perversidades e mal-arrumados latentes. Sempre estiveram do seu lado. Seu vizinho, seu colega de trabalho, seu tio, sua sogra. Agora eles acharam pastos e entraram, confortáveis, no efeito manada. Freud dá uma pista no seu “Psicologia das massas e análise do eu”. Leiam lá. Uns entram nisso por psicopatia e perversidade – como tem gente ruim, viu? -, outros por conveniência política, alguns por carreirismo, outros por ignorância e por falta de uma educação crítica que lhes faz muita falta, educação essa que a muitos não interessa mudar. Isso que chamei de furacão desgovernado de ódio, que traga tudo que vê pelo caminho, está crescendo, alimentado por essas práticas de intolerância. Spoiller: esse tornado vai atingir você, amigo, que está se divertindo jogando e empurrando coisas e pessoas para o olho do furacão. Você, seus filhos, sua família, seus amores. Winter is coming, baby.
Gestos de solidariedade
Minha solidariedade a Cris, que foi minha aluna no mestrado e cuja inquietação intelectual é o do tamanho do incômodo que causou nessa gente de direita que se alimenta de ódio, e ao Leo, que também foi meu aluno e hoje é meu colega, sendo um dos melhores analistas de discurso que conheço. Isso é fazer ciência. A Universidade é um lugar de resistência. Resistência a tudo isso de ruim que transformou o Brasil nessa merda em que está. É ideológico, sim. É político, claro. Como se esse chorume bolsonarista não fosse ideológico também, como se fosse a expressão mais casta da pureza dos fatos. Vamos em frente porque amanhã vai ser outro dia. Há de ser.”
Em outra manifestação, Mariza Poleze pergunta:
“Quem merece essa família odiosa e inconsequente?”
Segundo a internauta, Cris “está sendo perseguida por apoiadores de Jair Bolsonaro, depois que o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), fez uma publicação no Twitter expondo a pesquisadora”.
‘“Alguém me diga que isso é mentira… Não sei se dou risada ou se choro’, postou o deputado junto à imagem de um slide onde aparece o tema do trabalho da aluna”, escreveu Mariza.
Ela também reproduz texto que seria do orientador do trabalho produzido por Cris, o professor-doutor Leonard Christy Souza Costa.
“O Bolsonaro dispara fake news (basta ler o artigo) e é um sério risco para a democracia brasileira. O mesmo ato de violência que ameaça uma mestranda de depredação do seu carro, corrobora com o fuzil substituindo a diplomacia e a autocracia substituindo a democracia. É preciso falar, se posicionar, criticar, caso não queiramos ver o Brasil ter uma Constituição feita, não por motivos jurídicos, mas por motivos autoritários. A Democracia é mais importante que a direita e a esquerda”, disse.
O orientador já tinha defendido o trabalho da aluna e disse não entender o motivo de tanta repercussão, já que é uma pesquisa no âmbito da análise do discurso.
Foto: Reprodução/internet