Com a autoridade de quem coordena a bancada parlamentar federal do Amazonas no Congresso Nacional e preside uma das três mais importantes comissões permanentes do Senado, Omar Aziz (PSD) reagiu com firmeza às declarações ameaçadoras do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao futuro da Zona Franca de Manaus (ZFM).
O senador deu entrevista aos jornalistas Ronaldo Tiradentes, da Rede Tiradentes, e Neuton Corrêa, do BNC Amazonas , na manhã desta quinta, dia 18.
Guedes disse em entrevista à GloboNews, canal fechado da Rede Globo, na noite desta quarta, dia 17, que nada o impede de mexer na questão tributária da ZFM. Irônico, afirmou que o modelo é garantido pela Constituição e que por isso ninguém nunca vai tocá-lo.
“Agora, e se os impostos caíssem todos para zero? Eu não mexi na Zona Franca de Manaus”, afirmou o ministro, querendo ser didático sobre o que planeja fazer.
Essa ameaça clara foi feita quando Guedes falava sobre a fusão de impostos que pretende realizar, quando será extinto o que é hoje uma das bases de sobrevivência da ZFM, o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado).
Jogo endurecido
Para Omar, o que Guedes disse bastou para desnudar de vez sua má vontade com o Amazonas e seu polo industrial. E bastou também para o tratamento que daqui para a frente vai dispensar ao governo de Jair Bolsonaro (PSL).
“Na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) que eu presido o governo não vai ter vida fácil. O governo não terá vida fácil comigo”, avisou.
Para Omar, a ameaça do ministro foi a mais letal que ouviu até agora do governo federal contra o polo industrial do Amazonas. Nem mesmo a medida do governo de Michel Temer (MDB), que mexeu na alíquota do IPI de concentrados para refrigerantes em 2018, foi tão prejudicial como a que agora se desenha.
“Essa de hoje é para preocupar realmente. Nós entramos na faixa amarela, e para chegar à vermelha é questão de um passo”, disse o senador.
Na avaliação de Omar, a intenção anunciada por Guedes esvazia a ZFM e confirma uma preocupação dos parlamentares do Amazonas quando em reunião com a bancada o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), confessou que não entende nada do assunto e que tudo vai ficar à mercê das decisões do ministro da Economia.
Por essa razão, e com a entrevista de Guedes, o líder dos parlamentares vê a situação como muito grave. Para ele, ficou claro que o compromisso do ministro não é com o Brasil, mas com os banqueiros, de onde ele teria saído.
“É um momento terrível, é um pensamento de não brasileiro, de não republicano. O Amazonas não é responsável pela política econômica desastrada que vem se praticando no país ao longo dos anos. E nem responsável pelo que Paulo Guedes quer nos imputar. Paulo Guedes tinha de trabalhar mais e falar menos. É um ministro que fala toda hora, gosta de conversar, convence aos banqueiros parceiros dele, mas não convence a população”, afirmou Omar.
Segundo Omar, a implicância do ministro é com os R$ 25 bilhões anuais de renúncia fiscal a todas as empresas do polo industrial da ZFM. “Por que ele não mexe com os bilhões de desoneração que são dados para os estados do Sul e do Sudeste? Por que não fala sobre isso?”, questionou.
De acordo com o senador, Guedes esquece dos benefícios da ZFM para o país, como o de ser o estado da região Norte que mais contribui com Imposto de Renda. “Quase 50% saem do estado do Amazonas”, disse ele.
Sobre a importância do IPI para a ZFM, Omar disse que quando era governador do Amazonas (2011-2014) conseguiu atrair empresas dos setores termoplástico e de ar condicionado aumentando a alíquota desse imposto, que mais à frente se reverte em benefício fiscal para os empresários.
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Guedes xaropinho
O desdém com que Guedes tratou a angústia da bancada do Amazonas com a redução da alíquota do IPI dos extratos concentrados para produção de refrigerantes também foi lembrada por Omar.
“Esse xaropinho aí custa um bilhão e meio [de reais] para o Brasil”, disse Guedes.
Para Omar, “outra mentira dele. Não conhece a nossa região, não sabe o valor agregado que tem produzir aqui esses concentrados, não sabe, e não é possível não saber, a importância emblemática para o mundo, para a credibilidade e principalmente para a segurança jurídica, manter uma indústria como a Coca-Cola no Brasil, especialmente na cidade de Manaus”.
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Fator político no embate
O senador entende que os 11 votos da bancada amazonense (oito deputados federais e três senadores) não são suficientes para barrar uma reforma no Congresso, como a da previdência, mas a ação dos parlamentares em comissões estratégicas pode dar uma resposta ao governo federal.
Alia-se a isso o apoio que a bancada teria dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “[Esse apoio] poderá dar as condições para a discussão política com o governo federal dos interesses do Amazonas e da região Norte”, resumiu Omar.
Prejuízos à vista
Como decorrência da política econômica executada nos primeiros 100 dias do mandato de Bolsonaro, Omar voltou a alertar que a ZFM pode perder nos próximos meses 25 mil empregos porque a Organização Mundial do Comércio (OMC) não reconhece a desoneração do IPI nos bens de informática.
“Esse reconhecimento é só para a zona franca por causa da preservação da floresta”, disse.
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Uso da floresta
Em relação à floresta amazônica, Omar disse que a política de Bolsonaro não é a de preservação.
“Ele é muito claro em relação a isso, muito claro. Tanto é que está encaminhando uma medida provisória ao Congresso para facilitar obras na região. E talvez a gente possa fazer a BR-319. A outra é levar o linhão de energia de Manaus para Boa Vista, em Roraima”.
A criação da ZFM, por meio de incentivos fiscais, foi a forma encontrada pelo governo federal para compensar desigualdades regionais, hoje acentuadas, e evitar que os habitantes da Amazônia tenham de se valer dos recursos da floresta e das riquezas minerais para sua sobrevivência.
Míriam Leitão e a aversão à ZFM
Omar criticou também o modo como a jornalista Míriam Leitão monopolizou a entrevista a Guedes, fazendo questão de deixar claro ao ministro que comunga da ojeriza ao modelo ZFM.
“Eu não defendo a Zona Franca de Manaus”, disse ela, tentando ser agradável ao entrevistado quando o ministro exibiu sua ironia (veja a foto abaixo ) ao comentar a afirmação da jornalista de que ele ia economizar R$ 25 bilhões com o corte de incentivos da ZFM:
“Eu não, eu não economizei. Eu simplifiquei para o Brasil. Quer dizer agora que o Brasil não pode ficar mais eficiente porque tem de manter… [a ZFM, é o que ia dizer, quando Míriam Leitão fez uma de suas muitas interferências quando o entrevistado está falando]”.
“[A entrevista] teve como âncora uma inimiga da ZFM, que é a jornalista Míriam Leitão, crítica constante do modelo. Ela coloca que o Brasil perde R$ 25 bilhões com a Zona Franca de Manaus. Ora, com um telefonema do Bolsonaro se perdeu R$ 32 bilhões da Petrobrás, uma zona franca e meia”, afirmou o senador.
Indiferença com a ZFM
Guedes, abusando do seu estilo irônico e de tratar com desdém tudo o que não lhe é simpático, afirmou na entrevista quando Míriam Leitão lhe disse que acabar com o IPI significa acabar com o modelo:
“Mas, olha que coisa linda que você está dizendo. Tá dizendo assim: ‘Você vai mexer na Zona Franca de Manaus? Não, não vou mexer na Zona Franca de Manaus. Está na Constituição, tá lá. Agora, e se os impostos caíssem todos para zero? Eu não mexi na Zona Franca de Manaus”.
Na hora os participantes da entrevista perceberam a letalidade das intenções de Guedes em relação ao modelo de desenvolvimento do Amazonas e da região Norte, o único do governo federal para a Amazônia, e interpretaram suas palavras dizendo “então, a ZFM perde competitividade” e “economizou R$ 25 bilhões [valor anual médio das isenções tributárias do modelo]”.
Achando que precisava se fazer melhor entendido sobre seus planos, Guedes arrematou:
“As respostas são muito claras. A Zona Franca de Manaus fica do jeito que ela é. Ninguém nunca vai mexer com ela. Agora, isso quer dizer que não vou simplificar impostos no Brasil porque se não…? Quer dizer, eu tenho que deixar o Brasil bem ferrado, bem desarrumado por que se não não tem vantagem para Manaus…?”, afirmou o ministro, repetindo o dedo indicador para o alto para demonstrar que Manaus está em local distante (foto abaixo ).
Em outro momento, Guedes já afirmou que vai mexer na questão tributária do país. Não agora, porque a previdência é prioridade, mas que uma reforma vai ser feita logo depois.
Reforma tributária
Segundo o ministro, sua ideia é, até o fim do mandato de Bolsonaro, deixar a carga tributária em 30% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje é de 36%. A proposta da Receita Federal, de acordo com ele, é unir “dois, três, quatro” impostos e transformar em um imposto único federal.
Veja o vídeo da entrevista no trecho sobre a ZFM
Vídeo: Reprodução/GloboNews
Fotos: Reprodução/GloboNews e BNC Amazonas