A Coca-Cola, a Ambev e o mito do IPI dos concentrados
โFicarรฃo no paraรญso, mas precisarรฃo rastejar"

Neuton Correa
Publicado em: 10/01/2020 ร s 05:53 | Atualizado em: 10/01/2020 ร s 05:53
Por Neuton Corrรชa, da Redaรงรฃo
Diz a lenda que as grandes multinacionais fabricantes de refrigerantes do Polo Industrial de Manaus viviam num paraรญso sem igual atรฉ 1994.
Naquele ano, porรฉm, um presidente, Itamar Franco, que chegara ao cargo sem compromissos eleitorais, pois herdara o trono do vaidoso Fernando Collor de Mello, que renunciara ao posto em pleno processo de impeachment no Congresso, mudaria essa histรณria.
Atรฉ entรฃo a alรญquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), principal alimento das mais respeitadas deusas do setor, Coca-Cola e Ambev, era de 40%.
Franco como era e preocupado com a gula de suas musas queridas, Itamar viu que a gula era demais e que poderia engolir as duas deusas.
Com isso, ameaรงou reduzir a renรบncia do IPI de 40% para 2%.
Diante daquela ameaรงa, a bancada do Amazonas, integrante do Congresso que acabara de derrubar um semideus, Collor, rugiu.
O reino de Hades, onde ainda hoje vivem operรกrios de fรกbricas e plantadores de guaranรก e cana de aรงรบcar para xarope, amotinou-se apavorado.
Pressionado de todos os lados, Itamar Franco recuou de seus propรณsitos. Ao invรฉs de reduzir o incentivo a 2% tirou apenas trรชs pontos percentuais dos 40% vigentes e fixou o imposto em 37%.
Ele, contudo, lanรงou um vaticรญnio para as multinacionais:
โVocรชs ficarรฃo no paraรญso, mas precisarรฃo rastejar para continuar tirando o sustento de que precisamโ.
Desde entรฃo, reinados pรณs reinados, o IPI foi se reduzindo atรฉ chegar a 27% em 2012, com a primeira rainha a ocupar o trono num lugar dominado pelos deuses homens.
Mas ela queria reduzir ainda mais o alimento do setor. Tentou estabelecer em 17%, mas, outra vez, pressionada do Hades ao Congresso, segurou em 27%.
Ela nรฃo conseguiu e eras depois foi engolida pelo Congresso.
Acontece que, assim como no tempo de Franco, entrou um herdeiro do trono sem exposiรงรฃo eleitoral, Michel Temer, que reduziu o tributo de 20% para 4%.
Naquele maio de 2017, Michel estava pressionado por caminheiros que pararam o paรญs e ele precisava encontrar um setor que pudesse pagar os prejuรญzos causados pelos transportadores.
Temer olhou para aquilo que pudesse estar mais longe de seu olhar e disse: lรก em Manaus. E canetou.
Outra vez a ladainha se repetiu.
Agora, o tamanho da comida das deusas dos refrigerantes estรก sendo definida.
No trono dos deuses agora estรก o Capitรฃo, que tem um auxiliar chamado tambรฉm de Posto Ipiranga, que implicou nรฃo apenas com a Coca-Cola e com a Ambev, mas com todo o alto do monte chamado Zona Franca de Manaus e nรฃo perdeu oportunidade.
Vingou-se do tรญtulo que ganhou da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) de persona non grata.
Poderia ter atendido ร grita por mais incentivo, mas atentou ao atentado de deixar os concentrados com sobras de renรบncias, conforme fez Michel Temer.
E assim estรก. E assim comeรงa um novo ciclo que nรฃo se sabe onde vai parar nesse antigo paraรญso.
Ilustraรงรฃo: Alex Fideles