Folha de S.Paulo diz que Bolsonaro se comporta como chefe de bando
Editorial da Folha diz que o alvo final de Bolsonaro รฉ o que chama de "o edifรญcio constitucional da democracia"

Neuton Corrรชa, da Redaรงรฃo
Publicado em: 19/02/2020 ร s 04:35 | Atualizado em: 19/02/2020 ร s 04:35
“O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando”.
Esse รฉ um trecho do mais duro editorial que o jornal Folha de S.Paulo escreveu contra o presidente Jair Bolsonaro.
O jornal inicia o texto anunciando defesa de seus 99 anos de fundaรงรฃo.
Ao completar 99 anos de fundaรงรฃo, estaย Folhaย estรกย mais uma vez sob ataque de um presidente da Repรบblica”.
E em defesa dos profissionais que fazem parte do impresso.
“Jair Bolsonaro atiรงa as falanges governistasย contra o jornal e seus profissionais”.
Mas acrescenta, dizendo que o alvo final de Bolsonaro รฉ o que o editorial chama de “edifรญcio constitucional da democracia”.
“Seu alvo final nรฃo รฉ um veรญculo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifรญcio constitucional da democracia brasileira”.
“O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunรงos avanรงam contra a reputaรงรฃo de quem se anteponha ร aventura autoritรกria. Presidentes da Cรขmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repรณrteres e organizaรงรตes da mรญdia tornaram-se vรญtimas constantes de insultos e ameaรงas”.
O jornal acusa o presidente de compor seu governo com pistoleiros e milicianos:
“Pistoleiros digitais, milicianos e uma parte dos militares compรตem o contingente dos sonhos do presidente para compensar a sua pequenez, satisfazer a sua รญndole cesarista e desafiar o rochedo do Estado democrรกtico de Direito”.
Ataque a jornalista
O pano de fundo do editorial da Folha foi o ataque sofrido pela jornalistaย Patrรญcia Campos Mello, na CPMI das Fake News.
No colegiado, ela foi acusada por um colaborador da campanha do presidente de ter tentado seduzi-lo para obter informaรงรตes para uma reportagem.
Patrรญcia provou que o depoente mentiu, mas o presidente Bolsonaro fez piada com o fato, narrado pela Folha de S.Paulo da seguinte forma:
“O presidente Jair Bolsonaro insultou nesta terรงa-feira (18), com insinuaรงรฃo sexual, a jornalista Patrรญcia Campos Mello, daย Folha.
‘Ela [repรณrter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]’, disse o presidente, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palรกcio da Alvorada. Apรณs uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: ‘a qualquer preรงo contra mim’.
A declaraรงรฃo do presidente foiย umaย referรชncia ao depoimento de um ex-funcionรกrio de uma agรชncia de disparos de mensagens emย massaย porย WhatsApp, dado na semana passada ร CPMI das Fakeย News no Congresso.
A ABI (Associaรงรฃo Brasileira de Imprensa) chamou a agressรฃo de ‘covarde’ e pediu ร PGR (Procuradoria-Geral da Repรบblica) que denuncie o presidente por quebra de decoro”.
Leia o editoral
Editorial – Sob ataque, aos 99
Bolsonaro reincide na ofensiva ao jornalismo; alvo รฉ o edifรญcio constitucional
Ao completar 99 anos de fundaรงรฃo, estaย Folhaย estรกย mais uma vez sob ataque de um presidente da Repรบblica. Jair Bolsonaro atiรงa as falanges governistasย contra o jornal e seus profissionais, mas seu alvo final nรฃo รฉ um veรญculo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifรญcio constitucional da democracia brasileira.
Frustraram-se, faz tempo, as expectativas de que a elevaรงรฃo do deputado ร suprema magistratura pudesse emprestar-lhe os hรกbitos para o bom exercรญcio do cargo. ร a Presidรชncia que vai se contaminando dos modos incivis, da ignorรขncia entranhada, do machismo abjeto e do espรญrito de facรงรฃo trazidos pelo seu ocupante temporรกrio.
O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunรงos avanรงam contra a reputaรงรฃo de quem se anteponha ร aventura autoritรกria. Presidentes da Cรขmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repรณrteres e organizaรงรตes da mรญdia tornaram-se vรญtimas constantes de insultos e ameaรงas.
Escolhe a tรกtica de tentar minar o sistema de freios e contrapesos. Privilegia militares com verbas, regras e cargos, e o exemplo federal estimula o apetite de policiais nos estados. Governadores sรฃo expostos por uma bravata presidencial sobre preรงos de combustรญveis a um embate com caminhoneiros.
Pistoleiros digitais, milicianos e uma parte dos militares compรตem o contingente dos sonhos do presidente para compensar a sua pequenez, satisfazer a sua รญndole cesarista e desafiar o rochedo do Estado democrรกtico de Direito.ย
Nรฃo tem conseguido conspurcar a fortaleza, mas os choques vรฃo ficar mais frequentes e incisivos caso a resposta das instituiรงรตes esmoreรงa. A democracia รฉ o regime da responsabilidade, o que implica a necessidade de punir a autoridade que se desvia da lei.
Defender o reemprego de um ato que fechou o Congresso Nacional, como fez o deputadoย Eduardo Bolsonaro ao invocar o AI-5, nรฃo deveria ser considerado deslize menor pelos colegas que vรฃo julgรก-lo no Conselho de รtica.
As imunidades para o exercรญcio da polรญtica nรฃo foram pensadas para que mandatรกrios possam difamar, injuriar e caluniar cidadรฃos desprovidos de poder, como estรก ocorrendo. Dignidade, honra e decoro sรฃo requisitos legais para a funรงรฃo pรบblica. O presidente que os desrespeita comete crime de responsabilidade.
Ao entrar no seu centรฉsimo ano, aย Folhaย estรก convicta de que o jogo sujo encontrarรก a resposta das instituiรงรตes democrรกticas. Elas, como o jornalismo, tรชm vocaรงรฃo de longo prazo. Jair Bolsonaro, nรฃo.
Foto: Isac Nรณbrega/Presidรชncia da Repรบblica
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