O presidente Jair Bolsonaro bateu o recorde de liberações de rádios comunitárias nesta década.
Entre março e abril, ele enviou ao Congresso autorizações para o funcionamento de 440 estações comunitárias nos rincões e periferias do País, parte delas renovação de emissoras que já estão no ar.
A quantidade supera as 302 outorgas do governo Dilma Rousseff, em 2013.
Muitos dos canais liberados pelo atual governo têm indícios de atividades políticas.
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O Estadão identificou entre os representantes formais dessas rádios pessoas que são ou foram filiadas a partidos e já concorreram ou se elegeram para cargos de vereador e prefeito por legendas do Centrão, como Republicanos, Progressistas, PSD e PL.
Há também dirigentes dessas rádios em siglas menores, entre as quais o PSC, o PROS e o Patriota.
A política faz parte do cotidiano das emissoras.
No último dia 14, ouvintes da Rádio Top FM, em Catalão, Goiás, foram surpreendidos com uma discussão ao vivo.
Ao saber que o adversário e ex-prefeito Jardel Sebba (PSDB) daria entrevista, o vereador Rodrigão (SD) invadiu o estúdio.
O locutor Mamede Leão tentou impedi-lo, sem sucesso.
“O dono da rádio sou eu, Mamede. Jardel não fala hoje aqui, não”, disse o vereador.
O locutor reagiu: “Mas o programa não é seu, Rodrigão”.
O programa saiu do ar no dia seguinte.
Atualmente, há 4,6 mil rádios comunitárias em operação legal.
O “boom” mais recente ocorreu no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-presidente mantém o recorde de outorgas, com 630 liberações em 2009 – a Câmara faz esses registros há 16 anos.
Visão mudou
Na campanha de 2018, a equipe de Bolsonaro avaliava que as rádios comunitárias eram “focos petistas” e serviam para divulgar ações de vereadores, prefeitos e deputados ligados ao partido.
Agora, a visão do Planalto mudou.
Representantes do setor disseram à reportagem que o governo ainda não teve tempo de formar uma rede de emissoras simpatizantes, mas já usa a liberação de outorgas – uma demanda represada da área – como moeda de troca no Congresso.
Lei proíbe ligações partidárias e religiosas
A lei veda o vínculo das associações outorgadas com rádios com agremiações partidárias ou religiosas.
Acaba, no entanto, não alcançando ligações informais.
A Rádio Elshadday FM, do Recife, foi uma das renovadas neste ano.
Ela é dirigida por Marcelo Elshadday, pastor da Igreja Evangélica Internacional Elshadday, fundada pelo apóstolo Marcos Campelo.
O líder religioso, que já tentou ser vereador em 2008 e 2012 pelo PSL e pelo PPS, usa a emissora para atrair fiéis.
“Quero convidar você para estar hoje comigo, com o pastor, em um culto de unção e libertação”, afirmou Campelo em recente transmissão.
Apesar das coincidências, o apóstolo disse ao Estadão não haver vínculo.
O pastor Elshadday, por sua vez, reforçou que são coisas distintas.
“Não é vínculo, a rádio é aberta para qualquer pessoa.”
Ministro diz que fará ‘peneira’
O governo afirmou que as análises de pedidos de outorga de rádios comunitárias seguem ritos “estritamente técnicos e jurídicos”.
Atualmente, há cerca de 7 mil processos relacionados a outorgas de serviços de radiodifusão em geral em trâmite.
Destes, estima-se que 5 mil estejam na Presidência.
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