Estudo de Bolsonaro diz que recuperar BR-319 aumenta desmatamento
Relatรณrio trata do trecho de 450 quilรดmetros entre Manaus e Porto Velho e faz parte do processo de licenciamento ambiental da obra

Diamantino Junior
Publicado em: 27/08/2020 ร s 15:48 | Atualizado em: 27/08/2020 ร s 15:51
Um estudo contratado pelo governo federal, ao qual O GLOBO teve acesso, apontou que a pavimentaรงรฃo de um trecho de 450 quilรดmetros da rodovia BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, vai aumentar o risco de desmatamento.
O estudo faz parte do processo de licenciamento ambiental da obra e diz que, uma vez reconstruรญda, a rodovia vai facilitar โo acesso a รกreas remotas de floresta da Amazรดnia para fazendeiros, madeireiros, grileiros e outros atores envolvidos em processos de alteraรงรฃo da paisagem naturalโ.
A estimativa รฉ de que a obra custe pelo menos R$ 900 milhรตes.
A BR-319 foi construรญda no final dos anos 1970, ainda durante o governo militar.
A ideia era ligar as cidades de Porto Velho e Manaus
A estrada funcionou durante alguns anos, mas, nas รบltimas dรฉcadas, foi abandonada e hoje รฉ intrafegรกvel na maior parte do ano.
Pavimentar a BR-319 novamente รฉ um projeto antigo de diversos presidentes.
Pedido de licenciamento
Em julho, o Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (DNIT) enviou ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renovรกveis (Ibama) um pedido de licenciamento para a pavimentaรงรฃo de 450 quilรดmetros da rodovia, o chamado trecho do meio.
Sem o licenciamento, ela nรฃo poderรก ser realizada.
O Ibama jรก deu inรญcio ร anรกlise do estudo, mas ainda nรฃo se pronunciou sobre se vai ou nรฃo liberar o inรญcio das obras, o que pode demorar meses.
O documento encomendado pelo DNIT aponta uma sรฉrie de riscos que a repavimentaรงรฃo da BR-319 pode gerar.
Mas indica que ela seria viรกvel caso uma sรฉrie de medidas mitigatรณrias fossem tomadas.
Riscos
Entre os riscos apontados pelo estudo estรฃo o aumento do desmatamento, da migraรงรฃo desordenada, o avanรงo de grileiros e fazendeiros e a especulaรงรฃo imobiliรกria.
โA reconstruรงรฃo da rodovia poderรก ser danosa ao ambiente natural, uma vez que facilita o acesso a รกreas remotas de floresta da Amazรดnia para fazendeiros, madeireiros, grileiros e outros atores envolvidos em processos de alteraรงรฃo da paisagem naturalโ, diz um trecho do estudo.
Ocupaรงรฃo jรก acontece
Em outro trecho, o documento cita estudos realizados por pesquisadores entre 2014 e 2018 que dizem que, mesmo sem a BR-319 estar pavimentada, a ocupaรงรฃo do solo na regiรฃo cortada por ela jรก sofre impactos semelhantes aos observados no entorno da BR-163, que liga Mato Grosso ao Parรก e que se tornou, nos รบltimos anos, um dos principais vetores de desmatamento da Amazรดnia.
โA conclusรฃo em relaรงรฃo aos impactos estudados [โฆ] nos leva a concluir que a histรณria da BR-319/AM, jรก reflete o padrรฃo inicial de uso e ocupaรงรฃo do solo que ocorreu em empreendimentos similares como a BR-163โ, diz um trecho documento.
Outro estudo aponta a possibilidade de que a pavimentaรงรฃo da rodovia poderรก aumentar em 70% o desmatamento na regiรฃo.
Os autores do estudo de impacto ambiental ponderam, no entanto, que, se por um lado a estrada pode facilitar a chegada de grileiros e aumentar o desmatamento, por outro ela tambรฉm poderia melhorar o acesso das equipes de fiscalizaรงรฃo e atrair investidores em atividades sustentรกveis.
O documento diz ainda que para que o impacto seja mitigado, รฉ preciso que uma espรฉcie de โescudoโ de unidades de conservaรงรฃo criadas ao longo do trajeto da rodovia funcione de forma eficiente.
Procurado, o DNIT defendeu a obra
Na nota, o DNIT diz que pediu o licenciamento da obra por acreditar โna viabilidade do projeto, embora esta decisรฃoโ seja do Ibama.
O DNIT disse ainda que, com base em outras experiรชncias na Amazรดnia, o governo pretende implementar uma estrutura de governanรงa que aumente a presenรงa do estado na regiรฃo de influรชncia da BR-319.
Ainda durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inรกcio Lula da Silva (PT), o governo tentou reconstruรญ-la, mas problemas no licenciamento impediram o inรญcio das obras.
Agora, ela รฉ tida como uma das prioridades do presidente Jairย Bolsonaro.
Hรก duas semanas, a Justiรงa Federal liberou o inรญcio das obras de um outro trecho da rodovia, totalizando 52 quilรดmetros.
O problema, dizem os ambientalistas, รฉ que ela cruza uma das regiรตes mais preservadas da Amazรดnia e considerada uma das mais ricas em biodiversidade daquele bioma.
Alรฉm disso, lรก tambรฉm vivem diversas etnias indรญgenas.
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Foto:ย BNC Amazonas