Quase 7 milhões de testes do coronavĂrus podem ir parar no lixo
Enquanto o governo Bolsonaro e estados e municĂpios ficam empurrando a responsabilidade pela nĂ£o distribuiĂ§Ă£o, testes caminham para perder a validade e deixar prejuĂzo aos cofres pĂºblicos

Publicado em: 23/11/2020 Ă s 19:41 | Atualizado em: 23/11/2020 Ă s 19:52
Um total de 6,86 milhões de testes para o diagnĂ³stico do coronavĂrus (covid-19) comprados pelo MinistĂ©rio da SaĂºde perde a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021. Esses exames RT-PCR estĂ£o estocados em armazĂ©m do governo federal em Guarulhos (SP). No entanto, atĂ© hoje, nĂ£o foram distribuĂdos para a rede pĂºblica.
AtĂ© agora, com a doença fazendo alto nĂºmero de vĂtimas Brasil a fora, o SUS fez apenas 5 milhões de testes desse tipo.
Ou seja, o paĂs pode acabar descartando mais exames do que jĂ¡ realizou atĂ© agora. Ao todo, o governo investiu R$ 764,5 milhões em testes e as unidades para vencer custaram R$ 290 milhões – o lote encalhado tem validade de oito meses.
ResponsĂ¡veis pelo prejuĂzo
A responsabilidade pelo prejuĂzo que se aproxima virou um jogo de empurra-empurra entre o ministĂ©rio do governo Bolsonaro, de um lado, e estados e municĂpios, de outro.
Isso porque a compra Ă© feita pelo governo federal, mas a distribuiĂ§Ă£o sĂ³ ocorre mediante demanda dos governadores e prefeitos.
Enquanto um diz que sua parte se resume a comprar, os outros alegam que o governo entregou material incompleto, falta de capacidade para processar as amostras e de liderança do ministério nesse processo.
A pasta diz que sĂ³ entrega os testes quando hĂ¡ pedidos dos estados. Ainda ressalta que nem sequer as 8 milhões de unidades jĂ¡ repassadas foram totalmente consumidas. SecretĂ¡rios estaduais e municipais de saĂºde dizem que nĂ£o usaram todos os testes, pois receberam kits incompletos para o diagnĂ³stico, com nĂºmero reduzido de reagentes usados na extraĂ§Ă£o do RNA, tubos de laboratĂ³rio e cotonetes de coletar amostras.
TambĂ©m veem dificuldade para processar amostras. Isso prejudica o repasse dos produtos, pois as prefeituras, em especial, nĂ£o tĂªm como armazenar grandes quantidades.
A auxiliares, o ministro Eduardo Pazuello jĂ¡ afirmou que hĂ¡ testes suficientes nas mĂ£os de estados e municĂpios.
Estados e cidades
Sem a liderança do ministĂ©rio, estados e municĂpios adotaram estratĂ©gias prĂ³prias de testagem, em muitos casos, tambĂ©m ineficientes.
Contrariando recomendações da OMS, alguns locais apostaram em exames sorolĂ³gicos, como os testes rĂ¡pidos, que encontram anticorpos para a doença. Ele Ă© Ăºtil para mostrar que a infecĂ§Ă£o ocorreu no passado e foram criadas defesas no organismo contra o vĂrus, alĂ©m de mapear por onde a doença jĂ¡ passou, por inquĂ©ritos sorolĂ³gicos. Mas nĂ£o serve para alertar sobre a alta de casos ativos.
Os conselhos de secretĂ¡rios municipais (Conasems) e estaduais de saĂºde (Conass) afirmam que o ministĂ©rio nĂ£o entregou todos os kits de testes e mĂ¡quinas para automatizar a anĂ¡lise das amostras que havia prometido.
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Amazonas sob critério duvidoso
AlĂ©m de escassos, os testes RT-PCR foram distribuĂdos pelo MinistĂ©rio da SaĂºde sob critĂ©rios pouco objetivos. O ParanĂ¡ foi o terceiro estado que mais recebeu os produtos. A Bahia estĂ¡ em sexto lugar, mesmo com populaĂ§Ă£o superior e mais casos e mortes pela covid-19.
O Brasil ainda enviou 130 mil exames ao Paraguai e ao Peru, nĂºmero praticamente igual ao entregue ao Amazonas. O estado, portanto, viveu uma tragĂ©dia no começo da pandemia. Outros oito estados receberam menos testes do ministĂ©rio do que os paĂses vizinhos.
O desequilĂbrio tambĂ©m Ă© visto na entrega de reagentes de extraĂ§Ă£o do RNA. Dos trĂªs, 20% foram enviados a Minas Gerais. JĂ¡ o Amazonas recebeu menos de 1% do total. Sem dar detalhes, o ministĂ©rio afirma que entrega todos os insumos conforme demanda e capacidade de armazenamento dos estados.
InvestigaĂ§Ă£o no TCU
O  MinistĂ©rio PĂºblico junto ao Tribunal de Contas da UniĂ£o (TCU) pediu hoje (23) uma investigaĂ§Ă£o sobre os testes para diagnosticar o coronavĂrus “encalhados” no governo federal.
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Foto: Raquel Portugal/Fiocruz Imagens