Povo Munduruku tem saúde afetada por mercúrio de garimpos no Pará
Contaminação chega a 90% em aldeia à margem do rio Tapajós, impactado pela mineração. Revelação vem de um estudo realizado pela Fiocruz e WWF-Brasil

Ferreira Gabriel
Publicado em: 24/11/2020 às 20:37 | Atualizado em: 24/11/2020 às 20:37
No médio rio Tapajós, nos municípios de Itaituba e Trairão, no Pará, o povo indígena Munduruku está sofrendo com o impacto do mercúrio usado largamente em atividade de garimpo.
Estudo realizado pela Fiocruz, em parceria com o WWF-Brasil, indica que todos os participantes da pesquisa estão afetados por este contaminante.
De cada dez participantes, seis apresentaram níveis de mercúrio acima de limites seguros: 57,9% dos pesquisados apresentaram níveis de mercúrio acima de 6µg.g-1 – que é o limite máximo de segurança estabelecido por agências de saúde.
As crianças também são impactadas: 15,8% delas apresentaram problemas em testes de neurodesenvolvimento.
A contaminação é maior em áreas mais impactadas pelo garimpo, nas aldeias que ficam às margens dos rios afetados. Nessas localidades, nove em cada dez participantes apresentaram alto nível de contaminação.
A coleta de dados ocorreu entre 29 de outubro e 9 de novembro de 2019, com 200 habitantes de três aldeias impactadas pelo garimpo: Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy.
O processo incluiu entrevistas, avaliação clínico-laboratorial, coleta de amostras de cabelo e coleta de amostras de peixes para aferição dos níveis de mercúrio.
Impactos socioambientais
“Os resultados nos mostram que a atividade garimpeira vem promovendo alterações de grande escala no uso do solo nos territórios tradicionais da Amazônia, com impactos socioambientais diretos e indiretos para as populações locais, incluindo prejuízos à segurança alimentar, à economia local, à saúde das pessoas e aos serviços ecossistêmicos”, explicou o coordenador do estudo e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Paulo Basta.
De acordo com a porta-voz da Campanha da Amazônia, do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, além de impactar a saúde dos rios e florestas, a atividade garimpeira na bacia do Tapajós, impõe aos Munduruku o abandono do seu modo de vida tradicional.
“O garimpo altera por completo a relação dessa população com os rios, pois, de fonte de vida, passaram a ser a principal fonte de ameaça à reprodução física e cultural do povo” diz a porta-voz do Greempeace.
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Peixes contaminados
A análise revelou ainda que os peixes, principal fonte de proteína das comunidades, também estão contaminados.
Dados obtidos, a partir das entrevistas, indicaram que 96% dos participantes ingerem peixes regularmente.
Foram capturados 88 exemplares de peixes, pertencentes a 18 espécies distintas: todos estavam contaminados.
A partir daí, o estudo descobriu que as doses de ingestão diária de mercúrio estimadas para os participantes, de acordo com cinco espécies de peixes piscívoros amostrados, foram quatro a 18 vezes superiores aos limites seguros preconizados pela Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana (EPA).
As maiores médias foram reportadas entre a piranha preta (serrasalmus rhombeus), ultrapassando em quase quatro vezes o limite máximo permitido (0,5 µg.g-1) para comercialização e consumo de pescado, de acordo com as recomendações da FAO/WHO.
“Os indígenas querem saber o que comer, pois, os peixes contaminados estão na nossa mesa e o alimento que temos vem do rio. É preocupante, mas precisamos de uma solução. A gente tem que criminalizar e punir as pessoas que contaminam o rio”, diz a líder indígena Alessandra Korap Munduruku.
Recomendações
O estudo da Fiocruz e do WWF-Brasil traz uma série de recomendações, incluindo a interrupção imediata do garimpo em Terras Indígenas, um plano para descontinuar o uso de mercúrio no garimpo, assim como um plano de manejo de risco para as populações cronicamente expostas ao mercúrio.
Curso sobre impactos do garimpo
Em dezembro acontecerá o 3º módulo do curso “Impactos da Atividade Garimpeira e a Defesa dos Direitos dos Povos Tradicionais do Brasil”.
O curso é uma parceria firmada entre a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-Fiocruz), a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-Fiocruz) e o WWF-Brasil.
O objetivo é contribuir para a formação de lideranças comunitárias que militam contra a expansão da atividade garimpeira na Amazônia e em defesa dos direitos dos Povos Tradicionais Brasileiros.
O curso é direcionado a lideranças indígenas, jovens, representantes de comunidades quilombolas e ribeirinhas, entre outras, e que vivam em áreas do Brasil que estejam sob a influência direta ou indireta da atividade garimpeira.
Fotos: Paulo Basta/Fiocruz
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