“Muitos chegam Ă  UTI sĂ³ para morrer”, dizem mĂ©dicos sobre jovens

Com o organismo geralmente mais forte do que o de idosos, os mais jovens resistem melhor aos procedimentos que tĂªm sido realizados nas Unidades de Terapia Intensiva, como ventilaĂ§Ă£o mecĂ¢nica e hemodiĂ¡lise

MĂ©dicos serĂ£o obrigados a escolher quem vive, diz presidente da AMB

Publicado em: 24/03/2021 Ă s 12:40 | Atualizado em: 24/03/2021 Ă s 12:40

Um plantĂ£o recente do mĂ©dico Matheus Alves de Lima, que atende pacientes de covid-19 em UTI de dois hospitais de campanha no Distrito Federal e arredores, ilustra uma preocupante, mas ainda pouco compreendida mudança no perfil de pacientes graves do novo coronavĂ­rus em meio ao colapso dos sistemas de saĂºde do paĂ­s.

“Tivemos a morte de um paciente de apenas 25 anos, o que Ă© muito chocante”, explica Alves Ă  BBC News Brasil.

“E outro paciente, de 28 anos, nĂ£o resistiu a ser extubado (processo de retirada da ventilaĂ§Ă£o mecĂ¢nica), precisou ser intubado novamente e fazer hemodiĂ¡lise. Se nĂ£o fosse a covid-19, ele provavelmente jamais precisaria fazer hemodiĂ¡lise nessa idade. Nos dois Ăºltimos meses, temos visto cada vez mais pacientes entre 25 e 40 anos, o que assusta – sĂ£o pacientes da minha idade. SĂ£o jovens e jĂ¡ chegam graves, depois de ficar esperando por vagas (de UTI) em emergĂªncias lotadas. A gente intuba, intuba, e nĂ£o acaba. Eles chegam precisando de diĂ¡lise de urgĂªncia, Ă s vezes em choque. Tudo isso piora muito seu prognĂ³stico. Às vezes, chegam Ă  UTI sĂ³ para falecer.”

Esse crescimento no nĂºmero de pacientes mais jovens em situaĂ§Ă£o grave foi comentado pelo secretĂ¡rio de SaĂºde do Estado de SĂ£o Paulo, Jean Gorinchteyn, em uma entrevista coletiva em 1° de março.

Leia mais

Segunda onda de covid-19 veio forte no pĂºblico de jovens e adultos

“A pandemia retornou com uma velocidade e uma caracterĂ­stica clĂ­nica diferentes daquela da primeira onda”, afirmou Gorinchteyn.

“SĂ£o pacientes mais jovens, que tĂªm a sua condiĂ§Ă£o clĂ­nica muito mais comprometida e, pior, sĂ£o pacientes que acabam permanecendo um perĂ­odo mais prolongado nas UTIs. Na primeira onda, tĂ­nhamos (nas UTIs paulistas) percentual de mais de 80% de idosos e portadores de doenças crĂ´nicas. O que temos visto hoje sĂ£o pacientes mais jovens, 60% deles de 30 a 50 anos, muitos dos quais sem qualquer doença prĂ©via.”

Com o organismo geralmente mais forte do que o de idosos, os mais jovens resistem melhor aos procedimentos que tĂªm sido realizados nas Unidades de Terapia Intensiva, como ventilaĂ§Ă£o mecĂ¢nica e hemodiĂ¡lise.

No entanto, como consequĂªncia, tambĂ©m acabam ocupando os leitos por muito mais tempo. Segundo Gorinchteyn, a mĂ©dia de ocupaĂ§Ă£o de UTIs em SĂ£o Paulo passou de 7 a 10 dias por paciente, para 14 a 17 dias “no mĂ­nimo”.

SĂ£o as pessoas que se sentem Ă  vontade para sair porque acham que (se pegarem Covid-19) sĂ³ vĂ£o perder paladar e olfato, e acabam perdendo a vida”, prosseguiu o secretĂ¡rio.

“Outro aspecto Ă© a gravidade com que eles chegam. Sua oxigenaĂ§Ă£o baixa sem que o indivĂ­duo sinta (se nĂ£o medir com um oxĂ­metro) e, quando ele chega ao hospital, vĂª-se o quanto sua saturaĂ§Ă£o (de oxigĂªnio no sangue) estĂ¡ baixa e o quanto ele tem comprometimento de pulmĂ£o.”

Embora a chegada de pacientes mais jovens com quadro mais graves seja perceptĂ­vel, ela nĂ£o Ă© plenamente entendida, porque o Brasil nĂ£o dispõe de dados oficiais consolidados de casos e internações de Covid-19 por faixa etĂ¡ria, explica Marcio Sommer Bittencourt, mestre em saĂºde pĂºblica e integrante do Centro de Pesquisa ClĂ­nica e EpidemiolĂ³gica do Hospital UniversitĂ¡rio da USP, em SĂ£o Paulo.

Ele lista diversas causas que, somadas, provavelmente compõem o retrato atual.

A primeira Ă© a mencionada por Gorinchteyn: como as populações mais novas – desde jovens adultos atĂ© 59 anos – resistem por mais tempo na UTI, a tendĂªncia Ă© que aumente a ocupaĂ§Ă£o de leitos por elas.

A segunda Ă© o fato de a infecĂ§Ă£o por Covid-19 ter aumentado exponencialmente em todo o paĂ­s nos Ăºltimos meses – o que levaria, portanto, a mais infecções entre mais jovens. A incĂ³gnita Ă© se aumentou proporcionalmente mais entre eles, diz Bittencourt.

“AlĂ©m disso, os mais jovens sĂ£o mais economicamente ativos do que os idosos, entĂ£o saem mais para trabalhar. Isso jĂ¡ acontecia antes (da segunda onda), mas agora (o efeito disso) Ă© mais perceptĂ­vel.”

Por fim, existe o fato de estarmos diante de variantes mais infecciosas do coronavírus, que podem também estar aumentando a gravidade dos casos.

“Provavelmente sĂ£o todas essas causas juntas, mas nĂ£o sabemos qual delas impacta mais o momento atual”, afirma Bittencourt. “O que se sabe com certeza Ă© que as novas cepas em circulaĂ§Ă£o aumentaram o nĂºmero total de internações e de casos mais graves em geral.”

Leia mais no G1

Foto: DivulgaĂ§Ă£o/Secom