A Polícia Federal (PF) identificou que, entre a rede de contas falsas derrubadas pelo Facebook, em junho do ano passado, o chamado “Gabinete do Ódio”, está um perfil operado de endereços ligados ao presidente Jair Bolsonaro: o Palácio do Planalto, sede oficial do governo, e a casa da família na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
Foi identificado, também, que ao menos 1.045 acessos de contas ‘inautênticas’ partiram de órgãos públicos como a Câmara dos Deputados, o Senado e o Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea do Exército.
A PF aponta também que a mulher do presidente Jair Bolsonaro, Michelle, é a assinante da provedora de internet na qual foi acessada a conta ‘Bolsonaro News’ e o perfil de Tercio Arnaud Thomaz.
Também consta na lista um assessor parlamentar lotado no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, Fernando Nascimento Pessoa.
A partir de sua internet teriam sido acessadas as contas ‘SnapNaro’, ‘Trump We Trust’, ‘DiDireita’, ‘Tudo é Bolsonaro’, ‘Porque o Bolsonaro?’ e ‘Snapressoras’.
Além disso, ao analisar parte dos perfis apontados pela rede social como falsos, os investigadores que atuam no inquérito dos atos antidemocráticos conseguiram identificar assinantes de redes privadas das quais partiram 844 acessos.
A conclusão consta em relatórios produzidos durante as investigações do chamado inquérito dos atos antidemocráticos – aberto em abril do ano passado para investigar a organização de manifestações defendendo a volta da ditadura militar, intervenção das Forças Armadas e atacando instituições democráticas que marcaram as comemorações pelo Dia do Exército em diferentes cidades do País.
Teorias
Uma das hipóteses de investigação tocadas pela Polícia Federal no inquérito mirou o uso de redes sociais e a identificação de contas declaradas inautênticas pelo Facebook.
Os investigadores usaram como base um relatório produzido pela Atlantic Council, que faz análises independentes sobre as remoções de perfis da rede social por ‘comportamento inautêntico coordenado’.
Trabalho em etapas
Primeiro, a PF analisou o relatório e identificou 80 contas consideradas inautênticas responsáveis pela difusão de informações antidemocráticas.
Na sequência, operadoras de internet foram intimadas a compartilhar os números de IP (espécie de RG atribuído a cada computador ou celular conectado à internet) dos terminais usados para operar esses perfis e os dados usados nos cadastros desses IPs, incluindo localização de acesso.
A conclusão foi a de que ao menos 1.045 acessos partiram de órgãos públicos, incluindo a Presidência da República, a Câmara dos Deputados, o Senado e o Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea do Exército .
É justamente nesta lista que constam acessos a partir da rede de wifi do Palácio do Planalto e da casa dos Bolsonaro no Rio de Janeiro.
A Polícia Federal identificou que, nos endereços ligados a Bolsonaro, foram acessadas a conta de Instagram Bolsonaro News e o perfil pessoal no Facebook de Tércio Arnaud Thomaz, assessor do presidente apontado como integrante do chamado ‘gabinete do ódio ‘, revelado pelo Estadão .
Acessos nos endereços do presidente
Na casa de Bolsonaro, os acessos foram feitos em novembro de 2018.
Já na rede da Presidência, foram mais de 100 acessos só ao perfil Bolsonaro News entre novembro de 2018 e maio de 2019.
No relatório da Atlantic Council, a Bolsonaro News é descrita como uma página que usa memes para atacar ex-aliados de Bolsonaro.
“Tática do suposto Gabinete do Ódio”, afirma a consultoria. “Esse comportamento persistiu durante a campanha de 2018 e continuou depois que Bolsonaro assumiu o cargo.
Muitas dessas postagens foram publicadas durante o horário de trabalho, o que pode ser uma indicação de que Tércio Arnaud Thomaz estava postando neste site – que não está oficialmente conectado à Presidência – durante o horário oficial do gabinete”, diz outro trecho do relatório.
Segundo a PF, o Facebook apontou que a derrubada desta e de outras contas usou com base a seguinte tipologia estabelecida pela empresa: “operações executadas por um governo para atingir seus próprios cidadãos. Isso pode ser particularmente preocupante quando combinam técnicas enganosas com o poder de um Estado”.
Relatório foi para o STF
As informações constam em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro em dezembro.
No documento de 154 páginas, a delegada descreve os achados da PF, com base no relatório da Atlantic Council – instituição que realiza análise independente de remoções do Facebook por comportamento inautêntico coordenado – ao tratar de uma das hipóteses criminais sob suspeita no inquérito dos atos antidemocráticos.
Nessa linha de investigação, a PF mira o ‘movimento on-line de pessoas associadas para supostamente promover a difusão de ideias com potencial de causar instabilidade na ordem política e social’, identificada no relatório produzido para o Facebook.
Após a plataforma divulgar a derrubada das contas apontadas no documento, os investigadores pediram para acessar os dados.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, deferiu o acesso ao relatório.
Segundo os investigadores, o Facebook apontou que a derrubada das contas se deu ‘em consonância com as medidas previstas para a seguinte tipologia estabelecida pela empresa’: “operações executadas por um governo para atingir seus próprios cidadãos. Isso pode ser particularmente preocupante quando combinam técnicas enganosas com o poder de um Estado”.
A partir do documento, a PF buscou ‘dados externos e independentes’ para checar as informações do relatório e identificou 80.552 acessos das contas apontadas no documento.
Os investigadores seguiram a análise e decidiram se debruçar sobre um dos três grupos que atuavam ‘utilizando contas inautênticas e de forma coordenada’, o chamado Grupo Brasília .
O que faz o Grupo Brasília
“Utilizando o grupo Brasília como referência, limitou-se o escopo da análise a aproximadamente 15.528 vínculos de conta -> endereço IP. Desse universo foram solicitados às operadoras (Claro, Tim, Oi e Vivo) dados cadastrais de 5.120 vínculos de contas com endereço IP, sendo que apenas 844 acessos tiveram seus assinantes identificados (total 31 assinantes), dos quais alguns deles com vínculos com os proprietários das contas inautênticas apontadas pelo Facebook”, diz o relatório.
Mais usuários
A PF busca identificar se mais de uma pessoa utilizava as contas sob suspeita e solicitou dados de usuários à Presidência da República, à Câmara, ao Senado e à Câmara de Vereadores do Rio.
Segundo os dados fornecidos pela Câmara, um conta de nome ‘Eduardo Guimarães’ estaria ligada ao usuário de Carlos Eduardo Guimarães, listado como secretário parlamentar do deputado Eduardo Bolsonaro, e também ao usuário do próprio parlamentar.
Segundo os investigadores, está pendente o envio de dados pelo Senado e pela Presidência com relação aos dados cadastrais dos usuários ligados ao acesso das contas derrubadas pelo Facebook.
A Secretaria-Geral da Presidência encaminhou dados sobre os usuários, mas ‘devido ao formato do arquivo digital apresentado foi solicitado novo envio’.
Já com relação à Câmara Municipal do Rio, a instituição alegou que não possuía arquitetura de registro de logs de acesso à internet e assim não conseguiria fornecer as informações.
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