A cantora Baby do Brasil polemizou nesta semana ao realizar uma pregação de cunho escatológico em pleno Carnaval de Salvador. Segundo ela, o Apocalipse ocorrerá em um período de cinco a dez anos.
Para além das interpretações e correntes teológicas sobre o Apocalipse, quero destacar aqui a hipocrisia da cantora. A atitude dela evidencia o perfil de um novo tipo de evangélico no Brasil. Trata-se do evangélico “freestyle” que, geralmente, contraria tudo o que o próprio Evangelho diz.
Um mercado poderoso
Os cristãos evangélicos, por décadas, se comportaram de forma a separar rigidamente o sagrado do profano. Era uma marca de distinção social da qual se orgulhavam. A lógica era: uma vez convertido ao Cristianismo, dever-se-ia adotar um estilo de vida devoto, recatado, disciplinado e apartado de toda a mundanidade.
Isto significava dizer que se o novo convertido exercesse alguma atividade profissional que fosse de encontro ao que a doutrina cristã pregasse, ele teria que abandonar tal profissão. No caso dos(as) cantores(as) da noite, cujo repertório é 100% composto por músicas seculares, ele(a) teria que abandonar totalmente o ambiente mundano.
Entretanto, ainda poderia continuar como cantor(a). Todavia, teria que se dedicar exclusivamente às músicas cristãs, mais tarde denominadas de músicas gospel. Ocorre que nem sempre foi fácil fazer essa migração de estilos, principalmente, para aqueles convertidos famosos e com altos cachês. Neste âmbito, novos arranjos foram sendo feitos.
Na verdade, a palavra “gospel” se tornou um guarda-chuva para abrigar todo tipo de estilo musical sem entrar em conflito com as rígidas regras da doutrina cristã. Neste contexto, passou-se a ter pagode gospel, funk gospel, rock gospel, forró gospel, dance gospel etc. A permissão destes estilos musicais dentro das igrejas foi um claro movimento de afrouxamento da dura distinção social dada pela separação entre o sagrado e o profano.
Esta nova dinâmica, menos dura e mais fluida, criou um mercado fonográfico poderoso, principalmente, a partir da década de 1990. Muita gente ficou milionária com a produção de CDs, DVDs, shows, programas de TV etc. Este novo mercado atraiu mais gente do meio artístico, fazendo da “conversão” apenas um mero detalhe.
O caso da Baby do Brasil
Certamente, deve haver casos de conversões genuínas neste segmento de música gospel. Afinal, há cantores e cantoras que abandonaram totalmente o estilo de música secular que faziam e passaram a se dedicar exclusivamente à música cristã.
Todavia, há muita gente que já andava em baixa no segmento musical secular e que viu na “conversão” uma forma de adentrar em um amplo e milionário mercado. Para estes(as) foi bom demais, pois continuaram a fazer o que gostavam, ganhando muito dinheiro, só que agora com a etiqueta de evangélico/gospel.
O caso da Baby do Brasil é o exemplo perfeito do que estou descrevendo. Ela se converteu, mas continuou fazendo o seu “Carnavalzinho” todo ano e, certamente, recebendo um alto cachê por isto.
Neste ponto surge uma indagação inevitável caro(a) leitor(a). Vejamos: o Carnaval não é considerado pelos evangélicos como uma festa pagã? A festa da carne, como eles(as) costumeiramente a definem? Então, que diabos a “pastora” Baby do Brasil está fazendo lá e ainda recebendo por isto?
A resposta é uma só: hipocrisia.
Conclusão
Eu, sinceramente, não vejo problema em cantar e tocar no Carnaval, ainda mais recebendo um cachê. Cada um vive a vida do jeito que quiser, desde que arcando com as consequências de suas próprias escolhas. O problema é fazer proselitismo religioso em plena “festa de Dionísio”. É mais que uma contradição. É hipocrisia pura.
*Sociólogo
Arte: Gilmal