A inteligência artificial e o futuro que se decide na fronteira

A Amazônia se apresenta como território-chave para o desenvolvimento de soluções com IA com impacto direto na vida real

IA e Fronteira na Amazônia

Por Fabiano Bó*

Publicado em: 20/07/2025 às 06:08 | Atualizado em: 20/07/2025 às 06:08

As tecnologias que marcam uma época não são apenas aquelas que aprimoram sistemas existentes, mas as que obrigam países, territórios e instituições a reorganizarem suas prioridades. A inteligência artificial ocupa precisamente esse lugar. Não se trata de um avanço incremental. Trata-se de um deslocamento de eixo. Deixar de agir, diante dela, é abdicar da possibilidade de influenciar o rumo das próximas décadas.

Ao contrário do que se imagina, essa transformação não é exclusividade dos grandes centros urbanos. A Amazônia, com sua complexidade geográfica e sociocultural, se apresenta como território-chave para o desenvolvimento de soluções com IA com impacto direto na vida real. A escala dos desafios exige mais que conectividade. Exige inteligência estratégica, formação técnica, sensibilidade local e cooperação entre áreas historicamente apartadas.

Segundo o AI Index Report 2024, elaborado pela Universidade de Stanford, os investimentos globais em IA ultrapassaram 135 bilhões de dólares no último ano. No Brasil, a Confederação Nacional da Indústria projeta que, até 2030, a incorporação estruturada da IA à economia poderá gerar um acréscimo de 4% ao PIB. Os números indicam que essa tecnologia não é uma tendência, mas uma urgência. E ela não pode ser respondida com soluções genéricas, distantes da realidade dos territórios.

IA no Amazonas

É nesse contexto que o Governo do Amazonas, por meio da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), se antecipa ao lançar o primeiro curso de bacharelado em Inteligência Artificial fora das capitais brasileiras, com turmas em Parintins e Itacoatiara a partir de 2026.

A UEA é uma das instituições pioneiras do país a estruturar concursos públicos e formações acadêmicas específicas na área de IA, consolidando-se como referência nacional nesse campo. O currículo foi concebido para reunir especialistas capazes de desenvolver algoritmos, manipular dados em larga escala e aplicar soluções tecnológicas adaptadas à realidade amazônica.

A decisão de interiorizar a formação de ponta é mais que uma política educacional. É uma afirmação de que a inteligência do século 21 deve ser conectada às urgências e potencialidades locais.

IA no Exército Brasileiro

Em paralelo, o Exército Brasileiro tem avançado em sua própria agenda de inteligência artificial, especialmente no contexto amazônico. A Diretriz Estratégica de Inteligência Artificial do Exército estabelece metas claras para a automação de processos, reconhecimento de padrões e simulações operacionais. Na 12ª Região Militar, sediada em Manaus, as ações ganham contornos operacionais com emprego intensificado de fronteiras, aliado ao uso de sensores, sistemas autônomos e plataformas de IA, é parte de uma visão estratégica que reconhece a Amazônia como centro de gravidade das políticas de defesa.

Esses avanços, no entanto, exigem reforço em áreas ainda pouco acessadas. Se a tecnologia, se aplicada sem critérios, pode refletir ou reproduzir desigualdades e ampliar exclusões. No caso da IA, os riscos incluem a reprodução de vieses coloniais e a concentração de poder em poucas mãos. A Amazônia, com sua diversidade humana, cultural e ecológica, demanda abordagens contextualizadas. Mais do que em qualquer outro lugar, os dados precisam dialogar com os saberes tradicionais, o conhecimento técnico deve caminhar ao lado da escuta ativa.

Desafio político, institucional e simbólico

O desafio não é apenas tecnológico. É político, institucional e simbólico. A região amazônica não pode ser tratada como um território a ser digitalizado por decisões tomadas em gabinetes distantes. Precisa ser parte ativa na construção, incorporação e avaliação das soluções tecnológicas. Isso significa formar talentos em ciência, estimular redes de pesquisa autônomas, garantir financiamento sustentável, e acima de tudo, consolidar uma cultura pública de inovação comprometida com a equidade e a justiça territorial.

A inteligência artificial está definindo o mundo no qual poder global é. E a Amazônia, com todas as suas carências e potências, não ficará à margem desse processo. Ela se posiciona como protagonista de uma nova fase da história brasileira. Uma fase em que tecnologia e floresta, ciência e tradição, máquina e gente poderão finalmente coexistir não como polos opostos, mas como vetores de um desenvolvimento futuro comum. O que está em disputa não é apenas quem usará a inteligência artificial, mas quem a definirá.

Imagem: Chartgpt


*Coronel da Polícia Militar, especialista em Política e Estratégia (ADESG) e secretário de Estado-Chefe da Casa Militar do Amazonas.