A precariedade do ensino

Conforme o articulista "รฉ a repetรชncia contumaz, notoriamente, uma das fortes causas do รชxodo escolar".

Ednilson Maciel, por Flรกvio Lauria*

Publicado em: 27/06/2023 ร s 17:50 | Atualizado em: 27/06/2023 ร s 17:50

O ensino formal no Brasil vive grave situaรงรฃo de precariedade. As lamentรกveis caracterรญsticas negativas que apresenta constituem verdadeiro cemitรฉrio e assinalam a morte cultural de sucessivas geraรงรตes. Sรฃo os รญndices de exclusรฃo do ensino bรกsico de crianรงas de sete a 14 anos, que deixam as salas de aula para engrossar uma das vergonhas nacionais, a populaรงรฃo dos chamados โ€œmeninos de ruaโ€, e pior ainda aqueles recrutados pelo narcotrรกfico.

ร‰ a repetรชncia contumaz, notoriamente, uma das fortes causas do รชxodo escolar. ร‰ a insuficiรชncia de professores nas salas de aula, deixando centenas de crianรงas longe das escolas, soltas, livres, ao alcance de todas as seduรงรตes da criminalidade.

Em resumo, รฉ o mau aproveitamento escolar generalizado, cuja principal consequรชncia รฉ o nรบmero assustador de delinquentes infantis e o elevado percentual de adultos analfabetos ou semialfabetizados. Esse รฉ o quadro gritantemente real que as pesquisas sociais e as estatรญsticas nos apresentam, refletindo as deformaรงรตes educacionais do nosso cotidiano, mas sem identificar os fatores agravantes da crise.

Fatores menos tangรญveis, รฉ verdade, mas ativos, que atingem em cheio, e deforma devastadora, principalmente aquela populaรงรฃo iletrada. Sรฃo os contingentes oriundos do aprendizado informal, aquele traduzido nos fatos diรกrios divulgados pelos jornais e por certos programas de rรกdio e televisรฃo.

ร‰ o ensino aspeado, que mascara insidiosamente a mensagem que penetra pelos poros, pelo ar, no ambiente domรฉstico, atravรฉs das palavras sedutoras de รญdolos que se exibem a distรขncia, mas que a rigor nรฃo sรฃo vistos em suas privacidades, que nรฃo mostram seus valores morais.

Entram em nossas casas mesmo sem convite. Sรฃo simpรกticos, belos, galantes, admirรกveis, talentosos, quase semideuses, conquistando o pรบblico mesmo quando desempenham papรฉis maldosos. Aparecem nas revistas especializadas, expondo nรฃo raros bens valiosos, alรฉm de familiares, namorados ou namoradas, e amigos.

Frequentam as telinhas das TVs, incorporando personagens que nos encantam, que nos emocionam, mas que se esvaem, ao fim do programa, deixando no ar, para nossa ansiedade, apenas as cenas capitais de um prรณximo capรญtulo. Sรฃo herรณis e/ou vilรตes da ficรงรฃo, mas que marcam o telespectador no seu dia-a-dia como se fossem corpรณreos. E se รฉ verdade que, enquanto seres adultos e bem-formados, podemos distinguir a ficรงรฃo da realidade, enquanto seres por completar, estamos sujeitos ร s mais perigosas mensagens desses herรณis e/ou vilรตes, cujos conteรบdos sรฃo claramente danosos, sobretudo ร  estruturaรงรฃo das crianรงas.

Grande e legรญtima โ€“quase sempre cรดmoda โ€“ รฉ a cobranรงa que fazem os veรญculos de comunicaรงรฃo ao setor pรบblico e ร  rede privada pela deficiรชncia do ensino. No entanto, esses veรญculos parecem esquecer o prรณprio potencial de eficรกcia para participar do esforรงo educacional, potencial que muitas vezes dirigem para o boicote arrasante ao penoso trabalho do educador. Tambรฉm รฉ cรดmodo, embora falacioso e atรฉ mesmo irresponsรกvel, atribuir-se aos pais o poder de polรญcia na seleรงรฃo de programas e horรกrios aconselhรกveis a cada faixa etรกria. Como se a classe mรฉdia, desdobrando-se, ร s vezes, em dois, trรชs empregos, tivesse a disponibilidade de controlar, dia e noite, o que as crianรงas veem na TV…

Ao longo dos รบltimos anos tenho afirmado, em entrevistas e artigos, que alguns desses programas estรฃo arranhando a simetria moral do Paรญs. Basta que se mostre o exemplo de jovens atores e atrizes, alguns recรฉm-saรญdos da puberdade, que confundem eles prรณprios fantasiam com realismo, protagonizando tragรฉdias, dramas e atรฉ comรฉdias passionais, que sรณ a ausรชncia de parรขmetros รฉticos, confiรกveis e coerentes pode explicar.

Sรฃo atos e fatos estimulantes para aqueles que chamei de โ€œseres por completarโ€. Atos e fatos que despertam nos adolescentes o desejo incontido de imitar os figurantes imaginรกrios, isto รฉ, de fazer o mesmo que eles, sem noรงรฃo, por ignorรขncia, por inexperiรชncia, por deficiente formaรงรฃo domรฉstica e escolar, dos males que descarrega em si mesmo.

Nรฃo desconheรงo que todos os meios de comunicaรงรฃo dispรตem de quadros competentes para fazer reportagens de alto nรญvel. No caso das televisรตes, existem programas muito bem feitos, de interesse didรกtico e cientรญfico, nas รกreas do meio ambiente, da saรบde, da informaรงรฃo agrรญcola, da tecnologia, entre outras. Cite-se o telejornalismo como um dos pontos exponenciais do que hรก de mais destacรกvel nos nossos horรกrios televisivos.

E nรฃo tenho dรบvida de que os lรญderes das grandes redes, os escritores e produtores das emissoras de rรกdio e TV tรชm talento e capacidade suficientes para redirecionar suas programaรงรตes, para se tornarem poderosos instrumentos de revigoramento moral da infรขncia e adolescรชncia.

Todos os profissionais envolvidos nas diversas etapas de produรงรฃo de rรกdio e TV podem estar seguros de que qualquer iniciativa que venham a tomar nessa direรงรฃo receberรก aplausos. Sem contar com a satisfaรงรฃo pessoal que deve ser a consciรชncia de assim contribuรญrem para a constituiรงรฃo ou o restabelecimento de valores bรกsicos saudรกveis para a famรญlia brasileira. De estar educando.

*Oย autorย รฉ professor universitรกrio, administrador com mestrado e doutorado em Administraรงรฃo, especializaรงรฃo em Economia, escreve em blogs jornais e Facebook. Mais de 1800 artigos versando sobre diversos assuntos.

Foto: Arquivo/Agรชncia Brasil