No que tange ao uso dos recursos naturais, a sociedade brasileira precisa decidir o que deseja para si no tempo presente e o que deseja para as próximas gerações. Nesta seara, no momento, há muitas críticas ao garimpo ilegal que são importantes e justas. Porém, a glamourização do ouro permanece a mesma, como ocorre há milênios.
Isto evidencia uma enorme contradição. Por um lado, tem-se uma crescente conscientização da sociedade acerca dos impactos devastadores do garimpo ilegal, principalmente aquele que é praticado em áreas sensíveis como a Amazônia.
Por outro lado, o consumo de ouro continua a crescer, muitas vezes, alimentado por setores que criticam as atividades do garimpo ilegal, mas que não abrem mão dos benefícios financeiros que este metal pode proporcionar. Portanto, trata-se de uma ação que é claramente praticada por oportunismo, impulsionada pela alta demanda.
Um paradoxo
É certo que o ouro é amplamente utilizado em diversos componentes industriais, como investimento e reserva de valor. No entanto, a sua extração ilegal cria uma série de problemas socioambientais. Entre esses estão: o desmatamento, a contaminação dos rios por mercúrio, a violência contra as comunidades locais, bem como a destruição de ecossistemas inteiros.
Trata-se, portanto, de paradoxos da modernidade, para citar, aqui, o título do livro do sociólogo alemão Wolfgang Schluchter. Isto traz uma questão inquietante: como conciliar a demanda de ouro pela indústria e por outros setores da economia com a necessidade de conservar os ecossistemas onde ele é extraído e mantê-los para as futuras gerações?
Para responder a esta questão, eu poderia dizer que a solução seria a adoção de práticas de extração verdadeiramente sustentáveis, com respeito ao meio ambiente e às comunidades locais, poderia falar também do uso consciente do ouro, indicar aquisições apenas de fontes certificadas etc. Todavia, nada disto solucionará os problemas ambientais que o garimpo ilegal e mesmo o legal causa.
Usar ouro é cafonice
A melhor solução para resolver o problema do garimpo ilegal é acabar ou, no mínimo, reduzir drasticamente o consumo de ouro. Este metal deve ficar restrito aos circuitos industriais apenas quando não for possível a sua substituição.
Assim como o cigarro, cujo consumo outrora trazia status e glamour, mas que hoje está totalmente fora de moda, inclusive com contraindicação de consumo, o ouro tem que seguir o mesmo destino. O uso precisa ser classificado como cafona. De certa forma, ao menos para mim, já é uma enorme cafonice, principalmente quando se exagera, como fazem os traficantes, os ícones do funk ostentação e os donos de garimpo.
É preciso, ainda, reconhecer e se livrar da hipocrisia que permeia boa parte dos discursos ambientais. Criticar o garimpo legal ou ilegal enquanto se mantém o consumo de ouro nas alturas é, no mínimo, contraditório.
Se quisermos um mundo no qual a natureza possa ser conservada e utilizada de forma equilibrada, precisamos estar dispostos a fazer concessões em nosso estilo de vida. Para além da classificação como cafonice do ouro como ornamento, é preciso desconstruir a ideia do ouro como símbolo de vitória. Isso ocorre nas Olimpíadas e demais competições esportivas.
Neste sentido, que tal retirar a medalha de ouro e coroar o atleta vencedor apenas com o louro da vitória, como ocorria em outros tempos? Ou, então, com uma taça de campeão feita com produtos amigos do ambiente?
Conclusão
Como mencionado no início deste texto, a sociedade precisa decidir sobre o que deseja para si no tempo presente e o que deseja para as próximas gerações. As mudanças que almejamos para o futuro devem começar com reflexões sobre o nosso próprio comportamento ético, moral, cultural e de consumo. Não basta criticar o garimpo legal ou ilegal e continuar adorando e consumindo ouro aos borbotões. Isto é hipocrisia!
Uma coisa é certa: com ouro ou sem ouro, não haverá desenvolvimento sustentável se ele de fato não for efetivado no cotidiano. Isto passa por escolhas de caminhos para atingi-lo e, a partir disso, por decisões e ações acertadas na direção de sua efetivação. Apenas criticar o garimpo não é suficiente. É preciso parar de consumir ouro!
*Sociólogo
Arte: Gilmal