As madames paulistanas e o ódio de classe

Recomendo ao(à) leitor(a) ler esta matéria, caso tenha o emocional forte para suportar tanta cretinice destas madames paulistanas

As madames paulistanas e o ódio de classe Arte Gilmal

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 03/06/2023 às 02:00 | Atualizado em: 03/06/2023 às 03:44

Uma reportagem publicada pelo portal UOL Economia, na semana passada, traz a seguinte informação: ‘Não contratem’: patroas desfilam preconceitos em lista suja de domésticas‘. Recomendo ao(à) leitor(a) ler esta matéria, caso tenha o emocional forte para suportar tanta cretinice destas madames paulistanas.

A reportagem menciona que, em grupos de WhatsApp, patroas residentes em condomínios de luxo de São Paulo atacam, de forma cruel e covarde, as trabalhadoras domésticas. A matéria expõe todo o preconceito arraigado na alma da fina flor da sociedade paulistana. Na verdade, trata-se de uma longa lista de crimes que já chegou ao conhecimento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Há de tudo nas mensagens, mas os principais crimes cometidos são: calúnia, injúria, racismo, falsa imputação de crime, assédio moral e assédio sexual. As trabalhadoras são xingadas de preguiçosas, gordas, mentirosas etc. A trabalhadora doméstica que tiver o azar de cair nesta “lista suja das patroas” dificilmente encontrará nova oportunidade de trabalho nos condomínios de luxo da capital paulista. 

Neste ponto, cabem alguns questionamentos: por que esta gente endinheirada age desta forma? Por que as madames gostam tanto dos serviços das domésticas e, ao mesmo tempo, as odeiam tanto? O que está por trás deste comportamento odioso? 

Há várias respostas para estas perguntas, mas a principal, a base, a gênese do preconceito e do ódio de classe das patroas endinheiradas é o éthos escravagista. Sim, a elite econômica paulistana toda, ou grande parte, descende dos senhores de escravos. 

Uma rápida investigação sobre a origem de sobrenomes importantes desta sociedade branca, rica e influente revela que há famílias que descendem diretamente de donatários das capitanias hereditárias. Para piorar, a ascensão nos últimos anos de uma burguesia brega e reacionária, que apenas possui dinheiro, mas não tem o mínimo de cultura, tornou as coisasmais difíceis ainda para os(as) trabalhadores(as). 

As mensagens divulgadas nos grupos de WhatsApp das patroas moradoras de condomínios de luxo da capital paulista são a materialização de uma sociabilidade que, no decorrer de mais de 350 anos de escravidão em nosso país, foi erigida em bases violentas, onde o sadismo e a crueldade deram o tom. Este caráter sadomasoquista foi muito bem percebido por Gilberto Freyre no livro Casa-Grande & Senzala. 

A constituição dos traços sociopsicológicos de parte da sociedade paulistana, do seu comportamento e da sua abordagem diante do sofrimento, das necessidades e da dor alheia é marcada por malvadezas e perversidades. Estas são as sementes culturais essenciais deste lugar que, de forma reiterada, gera “não lugares” para a classe trabalhadora, conforme o conceito de Marc Augé.

No geral, a sociedade paulista, neste caso a paulistana, continua escravocrata, mesmo depois de 135 anos de promulgação da Lei Áurea. Na prática, para alguns estratos sociais deste estado com nome de santo, que se orgulha de suas estátuas e rodovias com nomes de bandeirantes sanguinários e assassinos de indígenas, o regime escravocrata continua em pleno vigor. 

É importante mencionar que, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 92% dos trabalhadores domésticos no Brasil são do sexo feminino e 65% destas mulheres são negras. Por estes números, pode-se dizer que a relação Casa Grande versus Senzala infelizmente permanece, apenas foi ressignificada. As mulheres negras, quase um século e meio depois, continuam sendo as mucamas.

Isto tudo é muito lamentável e criminoso!

As madames paulistanas deveriam ter o mínimo de respeito para com as trabalhadoras domésticas, reconhecer aimportância da economia do cuidado, valorizar o trabalho desta classe e deixar de ser canalhas. 

Sociólogo*

Arte: Gilmal