BR-319 e a ideia da AmazĂ´nia como santuĂ¡rio do carapanĂ£
Para o articulista, esse argumento do isolamento para preservar a floresta nĂ£o Ă© verdadeiro e Ă© desumano. Ele critica a ineficiĂªncia do Estado brasileiro

Por LĂºcio Carril*
Publicado em: 24/06/2024 Ă s 10:41 | Atualizado em: 24/06/2024 Ă s 10:41
Recebi um vĂdeo enviado pela amiga Astrid Lima, lĂ¡ da ItĂ¡lia, onde mora hĂ¡ quase 30 anos e Ă© contra a pavimentaĂ§Ă£o da BR-319.
Até eu seria contra, se vivesse na Europa, mio caro.
O vĂdeo Ă© uma entrevista com o biĂ³logo Lucas Ferrante, um estudioso da AmazĂ´nia. Seu Ăºnico problema Ă© a falta de sensibilidade social.
Diz o pesquisador que a BR-319 darĂ¡ acesso a grileiros e ao crime organizado.
NĂ£o sabe o incauto que a grilagem de terras no entorno da BR Ă© avassaladora, mesmo com a precariedade da estrada.
MunicĂpios dos rios Madeira e Purus vivem em tensĂ£o com a ocupaĂ§Ă£o ilegal e desordenada do seu territĂ³rio.
Basta ver a situaĂ§Ă£o de Novo AripuanĂ£ e LĂ¡brea.
A razĂ£o Ă© simples: o crime tem grana e nĂ£o precisa de estrada feita pelo Estado. Ele faz a estrada e o aeroporto.
Quanto ao crime organizado, nĂ£o sei onde o biĂ³logo vive, mas aqui no Amazonas os criminosos entram pela fronteira, em potentes embarcações e pequenos aviões.
NĂ£o temos notĂcia de carga de drogas apreendidas na BR-319.
No meio da entrevista, concedida Ă Bandnews, a jornalista pergunta qual a alternativa de interligaĂ§Ă£o do Amazonas ao Brasil sem que tenhamos que passar dias navegando ou pagar preços exorbitantes de passagens aĂ©reas.
Lucas enrolou e nĂ£o apresentou uma alternativa. Se limitou a dizer que as passagens Ă¡reas deveriam baixar de preço.
Descobriu a pĂ³lvora.
Leia mais
Estudo faz alerta mundial: BR-319 pode provocar pandemias
Maldade
NĂ£o satisfeito, Ferrante considera um absurdo o amazonense querer ir de carro para Curitiba.
Chega ao descalabro de dizer que a rodovia nĂ£o suportaria. Quer dizer que a estrada deverĂ¡ te perguntar: vai pra CuiabĂ¡ ou Curitiba? Se for pra Curitiba, eu nĂ£o aguento.
A jornalista ainda insistiu na necessidade de um modal terrestre para trĂ¡fego de pessoas e de produtos ligando Manaus ao Brasil. Lucas Ferrante descartou tambĂ©m a ferrovia. Tudo causarĂ¡ impacto ambiental.
É Ă³bvio que uma estrada causa impacto ambiental, mas a 319 foi construĂda na dĂ©cada de 70 e o Amazonas tem hoje 98% de cobertura florestal.
Esse argumento do isolamento para preservar a floresta nĂ£o Ă© verdadeiro e Ă© desumano, ao desconsiderar a existĂªncia de quase 4 milhões de brasileiros que tĂªm direito Ă cidadania.
Essa ideia de santuĂ¡rio de carapanĂ£, que alguns ambientalistas defendem para a AmazĂ´nia, Ă© desproporcional Ă s necessidades da nossa gente.
Somos cerca de 28 milhões de seres humanos e nossa existĂªncia precisa ser levada em consideraĂ§Ă£o.
NĂ³s nĂ£o podemos sofrer mais essa violĂªncia pela ineficiĂªncia do Estado brasileiro.
A BR-319 jĂ¡ existe. EstĂ¡ faltando apenas 400 quilĂ´metros para sua pavimentaĂ§Ă£o total.
Isso vai beneficiar milhares de comunidades rurais, populações tradicionais, agricultores familiares, que vivem abandonados pelo Estado, sofrendo violĂªncia de grileiros de madeireiros.
A posiĂ§Ă£o contrĂ¡ria Ă pavimentaĂ§Ă£o da estrada nĂ£o Ă© somente de um segmento de defensores da natureza intocada..
Ela tem como aliados os grandes empresĂ¡rios da cabotagem, donos de balsas, que perderĂ£o com um modal terrestre viĂ¡vel e rĂ¡pido.
Tem dedo do capital nessa paixĂ£o contrĂ¡ria Ă BR.
Quem vive no Amazonas sabe da importĂ¢ncia da estrada.
Somos quase 4 milhões de amazonenses, brasileiros, e nĂ£o temos nenhum problema em conviver com os carapanĂ£s, mas desconsiderar nossa existĂªncia Ă© de uma maldade sem tamanho.
*O autor Ă© sociĂ³logo.
Foto: divulgaĂ§Ă£o/Movimento BR-219