Nesta semana, o Brasil alcançou a marca de trezentos mil óbitos causados pela Covid-19. Ainda assim, mesmo diante dessa contabilidade macabra, há pessoas negando a realidade, a gravidade e a extensão da pandemia.
Por outro lado, há pessoas críticas às posturas negacionistas, mas inertes em suas ações políticas.
Certamente há muitas explicações teóricas para esse comportamento social. Uma delas vem de Robert Merton e Paul Lazarsfeld, sociólogos estadunidenses do século passado que, em um texto intitulado “Comunicação de massa, gosto popular e a organização da ação social”, publicado pela primeira vez em 1948, desenvolveram o conceito de “disfunção narcotizante” produzida pelos mass media (mídia de massa).
Esses autores atribuem funções de imobilização social ao espetáculo da mídia, como se fosse efeito de um articulado processo de entorpecimento da audiência.
Nesse sentido, a disfunção narcotizante é denominada disfuncional (em vez de funcional) porque o aparente status de sociedade bem-informada não significa necessariamente que ela está politizada e que vai tomar atitudes para mudar o seu entorno.
As pessoas recebem cotidianamente, por vários meios, notícias o tempo todo, em um verdadeiro bombardeio de informações.
Todavia, essa avalanche de informações não tem alterado o quadro de negacionismo e imobilismo político da sociedade.
Ela permanece inerte tanto para aceitar a gravidade do que vive quanto para exigir políticas mais eficazes de enfrentamento da pandemia.
Merton e Lazarsfeld fornecem pistas interessantes para uma possível compreensão dessa situação.
Segundo eles, estar exposto “a uma avalanche de informações pode servir para narcotizar o leitor ou o ouvinte mediano, em vez de estimulá-lo”.
O cidadão interessado e bem-informado, afirmam os autores, “pode contentar-se com seu elevado grau de interesse e negar-se a ver que se absteve de decisão e ação.
Em suma, ele toma seu contato secundário com o mundo da realidade política pela leitura de sua condição e o seu pensar como uma ação direta. Confunde, assim, o fato de conhecer os problemas cotidianos com a prática salutar de atuar sobre eles”.
A partir do que Merton e Lazarsfeld propuseram, nos dias de hoje, com a evolução dos meios de comunicação, pode-se dizer que a sociedade brasileira está narcotizada. “As pessoas estão preocupadas, estão informadas, tem toda sorte de ideias do que deve ser feito, mas, depois de terminado seu jantar e depois de escutado [visto] seu programa de rádio [TV] predileto e depois de lido seu segundo jornal diário [online], já é hora de ir para a cama”.
Assim, no enfrentamento da crise sanitária mais grave da história do Brasil, a consciência social permanece inalterada no que diz respeito às reivindicações constitucionais de direito à saúde.
“O indivíduo lê decisões de questões e problemas, inclusive até aprecia linhas de ação afirmativas. Mas esta ligação remota com a ação social, de certa forma intelectualizada, não é ativada”.
Então, a avalanche de informações vindas de todos os meios midiáticos possíveis, sejam elas técnicas demais ou até mesmo falsas – e produzidas dessa forma propositalmente, com intuito de gerar caos, negacionismo e imobilismo político –, passa a ser parte constituinte de um mesmo problema: todos os estratos sociais, independentemente de seu posicionamento, estão narcotizados.
*Sociólogo