A carne que trabalha

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Publicado em: 21/03/2017 ร s 20:07 | Atualizado em: 21/03/2017 ร s 20:11

Por Verรดnica Irazabal*

 

A deflagraรงรฃo da chamada โ€œOperaรงรฃo Carne Fracaโ€, no รบltimo fim de semana, tornou conhecidas do pรบblico em geral prรกticas mercadolรณgicas adotadas pelos frigorรญficos cuja gravidade pรตe em risco a saรบde do incontรกvel contingente de pessoas que consome os produtos por eles elaborados no Brasil e no mundo.

Atravรฉs da adulteraรงรฃo de produtos e do suborno de fiscais, os consumidores foram apresentados a alguns dos sรณrdidos mecanismos utilizados pela indรบstria frigorรญfica com vistas a assegurar suas elevadas margens de lucro em detrimento da vida humana.

No entanto, muito antes de vir ร  tona a referida operaรงรฃo, um outro contingente de vรญtimas dos frigorรญficos jรก vinha sofrendo as agruras perpetradas por tal indรบstria, ainda que tais mazelas nรฃo tivessem gozado da mesma repercussรฃo midiรกtica como agora. Estamos a falar, aqui, dos trabalhadores.

Hรก muito tempo nรฃo faltam relatos de unidades onde os trabalhadores sรฃo submetidos a um ritmo de trabalho incompatรญvel com a dignidade humana e de frigorรญficos onde nรฃo sรฃo respeitadas as normas de saรบde e seguranรงa do trabalho, especialmente a NR 36 (Norma Reguladora dos Frigorรญficos).

Nรฃo sem motivo, alรฉm dos recordes de exportaรงรฃo, o setor รฉ tambรฉm destaque no adoecimento de seus trabalhadores, que adquirem doenรงas ocupacionais e se lesionam gravemente todos os dias nas linhas de abate de bovinos, suรญnos e aves.

Nesses locais, a presenรงa de riscos fรญsicos, biolรณgicos, quรญmicos e ergonรดmicos, como ruรญdo, frio, umidade, bactรฉrias e movimentos repetitivos รฉ existente durante toda a jornada de trabalho.

De acordo com dados do Ministรฉrio da Previdรชncia Social levantados pela ONG Repรณrter Brasil, comparado a outros segmentos econรดmicos, os frigorรญficos geram o dobro de traumatismos de cabeรงa e o triplo de lesรตes no ombro e braรงo, alรฉm de graves cortes com facas, doenรงas causadas por movimentos repetitivos, pelas jornadas exaustivas e pela exposiรงรฃo constante ร queles agentes insalubres em concentraรงรตes situadas muito acima dos limites de tolerรขncia.

Ainda de acordo com dados oficiais (NTEP/MTE), no abate de aves e suรญnos, os trabalhadores sofrem 4,26 vezes mais com inflamaรงรตes em mรบsculos e tendรตes e 7,43 vezes mais lesรตes de punho, quando comparados com trabalhadores de outros setores produtivos.

Os frigorรญficos, para alรฉm da carne fraca, impรตem aos seus empregados um ambiente de trabalho hostil nas linhas de produรงรฃo, que os mutila e os faz adoecer.

ร‰ importante nรฃo perder de vista, portanto, nestes tempos em que tanto se fala de โ€œcarne fracaโ€, que a carne humana, empregada como mรฃo de obra pela indรบstria frigorรญfica, tambรฉm รฉ frรกgil.

Devemos exigir, sempre, alรฉm do respeito aos direitos dos consumidores, que os frigorรญficos tambรฉm respeitem os milhares de trabalhadores que diariamente impulsionam a produรงรฃo de proteรญnas no Brasil, para que estes nรฃo paguem com suas vidas pelos impressionantes nรบmeros do setor.

 

*A autora รฉ sรณcia e integrante do grupo de estudos de frigorรญficos do escritรณrio Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados

 

Foto: Beto Barata/PR