Com a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República, em 2018, fato que contou com a participação direta e decisiva de parte considerada dos evangélicos brasileiros, este segmento pôde, finalmente, ainda que em parte, ver seu sonho se realizar: participar ativamente dos espaços decisórios do poder visando à transição do Estado laico para o Estado teocrático.
Com efeito, ao menos para mim, para a realização deste sonho os evangélicos entraram no processo de forma rebaixada, fazendo concessões, relativizando conceitos e doutrinas, mudando verdades incontestes do texto bíblico, adulterando impiedosamente, desta forma, o Evangelho de Cristo.
Neste sentido, o que temos hoje no Brasil, salvo as raras exceções, não é mais uma Igreja Evangélica com liturgia e teologia fiéis ao texto bíblico, especialmente, ao Novo Testamento, mas, sim, igrejas com liturgia e teologia inspiradas em princípios, valores e ideias de homens comuns.
Infelizmente, parte das igrejas evangélicas passou a refletir a imagem e a semelhança de seus próprios líderes, homens avarentos, autoritários, antidemocráticos e incultos, semelhantes a Jair Bolsonaro. Ou seja, homens completamente despreparados para exercer o sacerdócio.
A Teologia do Domínio
O que está por trás do apoio a Jair Bolsonaro, mesmo depois de sua derrota, não é propriamente o desejo de construir uma república próspera, democrática e plural. O que move parte dos evangélicos brasileiros são os princípios doutrinários da Teologia do Domínio. Sob orientação desta teologia, este segmento objetiva obter poder político para fazer a transição, como dito, de um Estado laico para um Estado teocrático.
A Teologia do Domínio é uma engenharia social, uma técnica que tem a capacidade de mudar o que você acredita, com o objetivo de tomar o poder político. Trata-se de uma hermenêutica e uma exegese fraudulenta do texto bíblico. Seus defensores e praticantes procuram resgatar passagens bíblicas de triunfo, domínio e poder divino. Eles procuram, também, resgatar fases de triunfos de personagens importantes como o Rei Davi.
Neste âmbito, o Davi da Teologia do Domínio é o conquistador, o que aniquila e esmaga os seus inimigos. Ele é um rei próspero, ao qual Deus disse: “Davi, filho de Jessé, é um homem segundo o meu coração; fará tudo que for da minha vontade” (Atos 13:22-23).
Todavia, o que a Teologia do Domínio esconde é que Davi alcançou este status não por conta de suas conquistas e glórias, mas pelo sincero arrependimento. Mas esta parte não é interessante para abalizar o argumento do domínio.
É preciso reação
É contra isto que todos os democratas e republicanos devem se insurgir. Afinal, trata-se de uma teologia medieval, isto é, um projeto político-religioso nefasto, que coloca em xeque todas as conquistas civilizacionais e democráticas do Ocidente.
Trata-se de um projeto capitaneado por líderes religiosos de conduta desprezível e, portanto, reprovável. No Brasil, e mesmo fora dele, abundam escândalos de pastores e demais líderes evangélicos envolvidos em toda sorte de crimes, especialmente os crimes sexuais.
É esta turba que adentrou os espaços da política em todos os níveis no Brasil. As câmaras de vereadores e as assembleias estaduais são, hoje, dominadas por parlamentares evangélicos, a maioria deles pentecostais e neopentecostais, adeptos da Teologia do Domínio.
O segmento também tem grande representatividade no parlamento federal, com deputados e senadores ajudando a solapar as bases do Estado Democrático de Direito Laico, para impor, pela força e pela violência, um Estado teocrático.
Não é exagero nem força de expressão, mas o Brasil já se encontra às margens do rio da Teocracia. Caso não haja resistência qualificada, propositiva e democrática, a travessia poderá ocorrer já nas próximas eleições presidenciais, que ocorrerão em 2026.
Conclusão
É contra esta teologia nefasta, contra este projeto político-religioso medieval que todos os verdadeiros cristãos devem se insurgir, criticar e denunciar a promiscuidade da teologia com a política, que tomou conta de boa parte das igrejas evangélicas no Brasil.
Com efeito, é importante dizer que o compromisso do fiel para com Cristo não é abalado, em nenhum momento, pela separação Igreja-Estado. Não há nulidades nem conflitos entre a fé em Jesus e o exercício da cidadania e da participação política.
Neste sentido, o Estado laico é o modelo político ideal para a convivência pacífica de evangélicos, não evangélicos, ateus, bem como de todos aqueles que professam outras religiões.
*Sociólogo
Arte: Gilmal