Israel Tuyuka diz que ‘indígena pode ocupar qualquer cargo’
Primeiro candidato indígena ao governo do Amazonas falou ao BNC Amazonas sobre o desafio de enfrentar políticos tradicionais do estado

Gabriel Ferreira, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 25/08/2022 às 06:00 | Atualizado em: 25/08/2022 às 12:16
Nascido na aldeia Pari-Cachoeira, na região da cabeça do cachorro, em São Gabriel da Cachoeira, Israel Fontes Dutra (Psol/ Rede), 49 anos, do povo Tuyuka do Alto Rio Negro, é o primeiro candidato indígena ao governo do Amazonas. Ele concorreu a eleição de 2004 para vice-prefeito do município onde nasceu.
Em entrevista ao BNC Amazonas, Tuyuka disse ser “algo histórico e surpreendente” sua candidatura.
De acordo com ele, “os partidos políticos do estado do Amazonas, eles tem os donos. Se você olhar a história das eleições, as candidaturas dos últimos 30 anos, sempre são os mesmos pra cargos majoritários. […] Ou são os pais, ou são os filhos”.
Para Israel Tuyuka, a sua candidatura “significa muito para os povos indígenas, para os que tem uma descendência indígena. o estado do Amazonas é o que tem a maior quantidade de povos indígenas. Tem uma mistura muito grande desde a colonização”.
“Carrego uma responsabilidade muito grande, por ser o primeiro indígena candidato ao governo do estado do Amazonas. É pra mostrar que nós indígenas podemos ocupar qualquer cargo”, completou.
Conforme o candidato indígena, nunca imaginou que um dia seria candidato ao governo do Amazonas.
“Nosso candidatura é algo histórico, mas não basta ser histórico. É preciso dar chance, mostre a forma de governar diferente, nós somos diferentes”, disse.
A vida de médico e a luta na pandemia
Israel Tuyuka é formado em filosofia pela Universidade Católica de Brasília, tendo sido seminarista da Inspetoria Salesiana. Além disso, ele tem licenciatura em matemática pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e fez mestrado em geografia humana, pela Universidade de São Paulo (USP) e em ciências sociais, com ênfase em etnologia indígena, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.
Com o extenso currículo acadêmico, Tuyuka também formou-se em medicina entre a turma de 71 ex-alunos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) para atuar na linha de frente de combate a pandemia da Covid-19.
“Era uma tensão enorme. Assim que formei, eu fui pro campo, eu fui pro plantão, com muito medo. Parecia que você tava numa guerra. […] Isso mexeu muito comigo, muitos médicos mais velhos se afastaram. Sobrou pra gente, nós éramos mais novos”, relatou sobre o início da sua jornada como médico.
Tuyuka também recordou sobre momentos marcantes trabalhando como intensivista no Hospital Platão Araújo, em Manaus, na primeira onda.
“A noite toda eram sirenas de ambulância chegando, de cinco em cinco minutos, de dois em três minutos. Uma outra coisa me perturba, vem na minha memória, que nunca saiu, era uma voz que saía no autofalante do hospital que dizia: maqueiro no necrotério. Era de minuto em minuto, isso significava que de minuto em minuto morria uma paciente. Isso na primeira pandemia, foi o que me marcou muito, porque nós perdemos muitos pacientes”, disse.
Sobre o número de mortes na segunda onda, Tuyuka atribui responsabilidade ao governo federal e ao estadual “porque nós tivemos muito dinheiro no estado”.
“O governo não se preparou pra isso, porque ele foi na onda do presidente Bolsonaro. Não levou a sério a pandemia”, declarou.
De acordo com ele, a “falta de oxigênio foi por falta de organização, e ainda queriam culpa a gente”.
Polícia Cidadã
Israel Tuyuka propõe uma polícia cidadã, mas de que as decisões não serão tomadas de cima pra baixo.
“A gente tem pensado numa polícia cidadã, numa polícia onde as pessoas não tenha medo de ter contato. Mas só que não basta isso. Se a gente for ver nos bairros de Manaus, o que que os jovens tem opção, de se ocupar? Eles vão pra esse lado da violência, porque não tem muito o que fazer”, disse.
Para a execução do projeto, Tuyuka disse que precisa montar um plano de investimento, “pois não basta eu prometer”.
“Você tem que dar as condições de trabalho pra eles. Dar as condições de instrumento, eles tem que ter instrumento de investigação, de estudo. Mas também a comunidade também tem que ajudar, não pode só ficar esperando do estado”, declarou.
Meio Ambiente
Para Tuyuka o governo do estado tem que fazer parceria com o governo federal para fazer com as instituições de fiscalização funcionem.
De acordo com o candidato, “a exploração ilegal vai ser combatida, tanto a exploração mineral, tanto a exploração de madeireiros, tanto o desmatamento. Eu preciso juntar as forças que eu tenho no estado, Ibama, ICMbio, Polícia Federal, Polícia Civil, são gente com que o estado tem que contar”.
“Não vou tolerar ilegalidade. Eu não vou ficar esperando: Ah eles estão derrubando a mata, deixa pra lá. Não vai acontecer isso”, destacou.
Tuyuka afirmou que os povos indígenas tem lutado para preservar a floresta amazônica, enquanto o governo faz vista grossa. “Eu não posso fazer isso. Porquê eu tenho que pensar, nas crianças que vem depois, que vem depois da gente”.
Confira a entrevista na íntegra:
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Foto: BNC Amazonas