Liderado pela ex-candidata a vice-prefeita de Manaus em 2020, a socióloga Marklize Siqueira, um movimento majoritariamente puxado pelas mulheres vai se retirar em massa do Psol (Partido Socialismo e Liberdade). Pelo menos 300 membros devem seguir a líder.
Conforme manifestação divulgada em Manaus neste domingo (6), os motivos dessa debandada são muitos. Contudo, os principais são acusações de que o partido é machista, misógino e LGBTQIAP+fóbico. Além disso, o movimento aponta que o Psol não tem um projeto sociopolítico para o Amazonas.
Não bastassem esses motivos, Marklize teria sido vítima de perseguição e violência política de gênero no partido.
Para expor todo esse cenário e anunciar a debandada, o movimento resolveu se reunir e lançar a manifestação em forma de carta aberta à sociedade.
Segundo Marklize, o ambiente hoje no Psol é insustentável quanto à segurança para fazer política.
“Espero que o Psol encontre seu caminho e construa de fato uma instituição partidária que possa um dia acolher e dar segurança institucional a mulheres negras, afroamazônicas”, disse ela.
Pelo que diz a carta, Marklize e os demais militantes se decepcionaram com os rumos tomados pelo partido. “Quando escolhemos o Psol como partido viemos apaixonados pelo seu programa, que privilegiava os grupos sociais acima citados e no qual nos encontramos”.
A decepção do grupo com o partido passa também pelo não reconhecimento da contribuição que deu para o Psol existir no cenário político do Amazonas. Cita, por exemplo, as candidaturas mais votadas da legenda, como a quinta maior votação para a câmara de vereadores de Manaus por meio da bancada coletiva nas eleições de 2020. Marklize foi candidata a vice-prefeita na chapa com o deputado federal José Ricardo (PT), ficando em terceiro lugar entre 11 concorrentes.
“O estopim foram as conduções antidemocrática das reuniões do diretório estadual e os ataques, nas redes sociais, às nossas figuras públicas. A esse respeito já estamos tomando as medidas cabíveis nas instâncias do Judiciário”.
Em suma, o movimento acusa o Psol de se preocupar mais em perseguir Marklize, pela projeção política que alcançou, do que em combater as mazelas provocadas ao país pelo governo Bolsonaro.
A MovimentA Amazônia Socialista – MAS é um coletivo político oriundo do antigo Coletivo Rosa Zumbi – CRZ/AM. O seu corpo político ajudou a articular um conjunto de movimentos políticos nos últimos anos, tais como, o Ele Não, Contra o Golpe de 2016, 8M, 14M, Fora Temer, Fora Bolsonaro, Contra a PEC do Fim do Mundo, Greve Geral, dentre outras articulações políticas. Sua militância orgânica é oriunda dos movimentos sociais de mulheres, negritude, indígenas, pessoas com deficiência e LGBTQIAP+.
Atuando dentro do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL e mesmo sendo, por muitos anos, minoria nos diretórios, a MAS foi responsável pelas candidaturas mais votadas deste partido no Amazonas, eleitoralmente teve o seu auge ao obter a quinta maior votação para o legislativo manauara através da Bancada Coletiva nas eleições 2020. Nesse mesmo ano, uma de suas membras, a companheira Marklize Siqueira, compôs chapa à Prefeitura de Manaus com o deputado federal José Ricardo obtendo a terceira maior votação, em uma disputa com 11 candidaturas ao executivo municipal.
Independente das nomenclaturas, o nosso grupo político que inicialmente era composto por 07 e depois 13 membros, passou para cerca de 350 pessoas filiadas no intervalo de 03 anos, com projeção de alcançarmos 500 filiados ao término de 2022. Essa militância possui um perfil único, qual seja: mulheres, negras e negros, LGBTQIAP+, PCDs e indígenas. Aliás, não poderia ser diferente já que desde o início nosso projeto político tem como cerne alavancarmos tais segmentos historicamente alijados dos espaços de poder, sendo necessário, portanto, a inclusão no ambiente político partidário e a ocupação dos cargos nas direções partidárias, no legislativo e no executivo. Por isso, os cargos da MAS nos diretórios municipais de Manaus e Santa Isabel do Rio Negro e no diretório estadual do Amazonas eram ocupados por pessoas com os perfis acima descritos. Esses segmentos sociais continuam sendo nossas prioridades no processo de candidaturas, vide a Bancada Coletiva e agora a Bancada das Manas. Afinal, Esse é o Nosso Norte!
Quando escolhemos o PSOL como partido viemos apaixonados pelo seu Programa que privilegiava os grupos sociais acima citados e no qual nos encontramos. Era encantador acompanhar seus parlamentares na Câmara dos Deputados, numa conjuntura delicada em que a democracia brasileira se encontrava. Apesar disso, não víamos nada parecido de modo algum refletido no Amazonas. Não sabíamos o motivo disso. Agora sabemos!
Sem falsa modéstia, a Bancada Coletiva foi a primeira grande possibilidade de o PSOL ter uma representatividade no legislativo manauara. Isso gerou brilho nos olhos de muita gente, mas também assustou grupos de direita em Manaus. Entretanto, não foi só a direita que ficou preocupada. Grupos internos do PSOL-AM não gostaram muito do que viram. O que já não era um processo fácil de acesso à política partidária, só se intensificou com o êxito do projeto da Bancada Coletiva. Acessar e ter maioria no diretório municipal de Manaus e quase obter a maioria do diretório estadual preocupou e irritou muita gente. Poderíamos dizer, muitos homens héteros e cisgêneros. De repente, ao invés de se preocupar com a necessária derrocada do governo genocida de Jair Bolsonaro, os grupos estavam preocupados – e visivelmente contrariados – com os avanços políticos da MAS, com a Bancada das Manas e com a projeção de Marklize Siqueira como figura pública respeitada na cena política.
Reunimos o nosso grupo de militantes e avaliamos todas as condições e o momento político que vivemos no Brasil e no Amazonas. Decidimos desfiliar coletivamente do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, pelos motivos abaixo especificados:
a) O PSOL-AM não possui um projeto político e social para o Amazonas.
Uma coisa básica de qualquer partido político é possuir um projeto político, pelo menos para a sociedade na qual está inserida. Infelizmente o PSOL AM não possui um projeto de sociedade para o Amazonas e isso se reflete na ausência de táticas para ocupação do Legislativo e do Executivo amazonense. E mesmo com nossa insistência para construir, não houve avanços nesse sentido. Com a maioria no diretório municipal de Manaus iniciaríamos ainda em 2022 um conjunto de debates para constituir as diretrizes de um plano de governo para Manaus, nos preparando para 2024. Entendemos que um Programa de Governo amadurecido é parte importante do projeto político. A ausência de um projeto dificulta sobremaneira a própria atuação do partido nos movimentos sociais e nos movimentos políticos. Sem isso, a atuação dos correligionários conta com o heroísmo e o improviso.
b) Ausência de proteção às suas figuras públicas
Depois das eleições de 2020, as membras da Bancada Coletiva e a candidata a vice-prefeita, Marklize Siqueira, tiveram que contar com a sorte para não serem atacadas nas redes sociais e até nos lugares públicos onde frequentam. Se, por um lado, há o reconhecimento positivo, por outro, se depararam com opositores furiosos em restaurantes e praças, em sua maioria da extrema direita. Por enquanto não passou de ameaça com dedo em riste e voz alta. Nossa preocupação é quando tiverem a audácia de partirem para a agressão física e psicológica, afinal elas não desistirão da política. Infelizmente, o PSOL-AM não possui estrutura político-partidária e jurídica para essa proteção caso algo mais grave aconteça.
c) Seria o PSOL AM machista, misógino e LGBTQIAP+fóbico?
Há fortes indícios. Negar seria uma impropriedade se tomarmos a estrutura política brasileira e amazonense produzida hegemonicamente por homens, héteros, com estética eurocêntrica e corpos aceitos socialmente. Quando adentramos ao PSOL em meados de 2015, era difícil encontrar um LGBTQIAP+ nos diretórios do partido. Se existiu, foi uma história apagada pelos registros partidários quase inexistentes. Quanto à ocupação de mulheres, uma olhada rápida nos dados do TSE dos anos de 2015 a 2018 apresenta apenas 20% de presença de mulheres no diretório estadual – DE. Isso mudou em 2021 por conta de uma resolução nacional obrigando os diretórios a garantirem a paridade de gênero na sua composição. Apesar disso, dispositivos socioculturais garantem a estrutura de poder masculino. Brincadeiras, chacotas, ironias, boicotes, silêncio e o silenciamento são exemplos disso. Nesse aspecto cabe pontuar que após o DE ser ocupado por maioria de mulheres, logo iniciaram as tentativas de dirigir o partido através de resoluções estaduais justificando para isso um possível equívoco da presidente mulher. Caberia a presidente apenas a execução de tais medidas. O MAS foi contrário a isso e passou a cobrar os registros administrativos das reuniões – as famosas atas. Foi o suficiente para um dirigente ir para as redes sociais realizar ameaças e calúnias a uma mulher negra. Tudo isso sob os olhares silenciosos e coniventes de outros dirigentes partidários.
d) Bancada das Manas e os limites do PSOL AM
O projeto Bancada das Manas não surgiu recentemente e sim de uma série de reflexões produzidas e orientadas pelas mulheres do antigo CRZ e agora MAS, desde meados de 2019. A experiência de candidatura da Bancada Coletiva nos trouxe algumas lições, tais como: sem a maioria no diretório, o projeto sofre boicote. Quando saímos das eleições 2020 e vimos o resultado da Bancada nas eleições, iniciamos as reuniões de avaliação. Tiramos outra conclusão: o PSOL AM não possui estrutura para garantir a continuidade do projeto que agora seria Bancada das Manas. Por isso, iniciamos a articulação de bancada mista, similar a outras experiências já existentes pelo país. Entretanto, os debates internos do PSOL e a questão das federações tendem a inviabilizar tal estilo de candidatura. Além disso, a alta hierarquia sulista branca e também cishetero de nossa ex-tendência não nos apoiou e, ao contrário disso, denominou tal projeto como “atalho na política”. Ironicamente, depois soubemos que tal suprasumo construiu o esvaziamento de uma candidatura negra na região sudeste para garantir a sua primeira candidatura. Seria um “atalho branco” mais etnicamente aceitável?
Os ataques nas redes sociais por parte de um membro do diretório estadual foram apenas a ponta do iceberg de uma série de violências que ocorrem no cotidiano das relações políticas internas e tinham como alvo principal a Bancada das Manas. Além disso, tal violência política de gênero seria apenas a primeira de muitas que viriam pela frente, vide o apoio dado a um infeliz texto publicado por um professor universitário, curtido e compartilhado por dirigentes do PSOL AM.
Diante de tais condições acima dispostas, tomamos a decisão da desfiliação coletiva. Não foi uma decisão fácil. Nós tínhamos projetos para e com o PSOL-AM. Além de ocupar os espaços do diretório, tínhamos pré-candidaturas ao Governo do Estado do Amazonas e ao Congresso Nacional, já de olho em 2024, 2026 e 2028. Entretanto, precisamos entender o momento sócio-histórico desse partido no Amazonas. Tudo deixa a entender que estávamos no partido certo mas infelizmente na hora errada.
Por fim, resta agradecer as/os dirigentes nacionais e tendências que nos ouviram atentamente e que ofereceram ajuda política. Isso demonstra que o PSOL ainda possui condições de se tornar o partido apresentado no seu Programa.
MovimentA Amazônia Socialista – MAS
Plataforma Esse é o Nosso Norte
O site aguarda a resposta da direção do Psol à manifestação do grupo de filiados.