Geografia atual do Brasil
Segundo o autor, o Mapa do Analfabetismo no Brasil, informe do MEC, volta a mostrar a geografia de uma realidade que Ă©, a um sĂ³ tempo, alarme e denĂºncia.

Por FlĂ¡vio Lauria*
Publicado em: 21/08/2023 Ă s 18:13 | Atualizado em: 21/08/2023 Ă s 18:14
Oitavo mĂªs do ano, vigĂ©simo primeiro dia, e esta semana, fora os batidos temas da busca de um culpado pelo apagĂ£o, e o fica e sai de prefeitos, as joias podem ser vendidas? DelaĂ§Ă£o de um hacker, pouca coisa restou, entĂ£o volto a escrever sobre a educaĂ§Ă£o, que sempre estarĂ¡ na crista da onda.
O descaso com a educaĂ§Ă£o Ă© a evidĂªncia histĂ³rica de que o Estado brasileiro funciona como matriz dos piores dramas sociais.
O diagnĂ³stico Ă³bvio de que a ignorĂ¢ncia responde por grave injustiça na disputa pelos bens da vida jamais inspirou ações consistentes para erradicĂ¡-la.
Programas ousados se sucedem no longo caminho da rotaĂ§Ă£o no poder. Mas, do papel, saltam apenas medidas sem o Ămpeto das polĂticas vinculadas Ă estratĂ©gia nacional.
Em tempos de crise econĂ´mica, algo crĂ´nico no Brasil, entre as primeiras vĂtimas dos ajustes figuram as receitas destinadas aos projetos educacionais.
O Mapa do Analfabetismo no Brasil, informe do MinistĂ©rio da EducaĂ§Ă£o (MEC), volta a mostrar a geografia de uma realidade que Ă©, a um sĂ³ tempo, alarme e denĂºncia.
Os analfabetos funcionais formam hoje contingente de 14 milhões de pessoas. Sabem mal assinar o nome ou escrever algum bilhete, mas incapazes de entender o que lĂªem. Na Ă¡rea rural, muitos sĂ£o acometidos de graves enfermidades, ou levados Ă morte, por nĂ£o compreenderem as advertĂªncias contidas em rĂ³tulos de pesticidas agrĂcolas.
Analfabetos mergulhados em completa escuridĂ£o somam 16 milhões. SĂ£o os que estĂ£o reduzidos ao Ăºltimo degrau da condiĂ§Ă£o humana: vegetam no estĂ¡gio crĂtico da ignorĂ¢ncia.
O estudo do MEC indica que 35% deles jĂ¡ freqĂ¼entaram escolas, mas nĂ£o conseguiram alfabetizar-se.
A incompetĂªncia e os mĂ©todos primitivos utilizados nĂ£o poderiam colher outro resultado. É causa de espanto saber que sĂ³ em 19 dos 5.570 municĂpios as populações tĂªm escolaridade equivalente ao ensino fundamental.
Os indicadores do MEC nĂ£o sublinham apenas a existĂªncia de instruĂ§Ă£o desqualificada e oferta muito abaixo da demanda.
A distribuiĂ§Ă£o dos atingidos pelo modelo excludente reproduz as desigualdades econĂ´micas no tratamento dispensado Ă s diversas regiões.
NĂ£o Ă© de admirar, assim, que o Norte abrigue 24,3% dos analfabetos, cerca de 8 milhões.
AtĂ© agora as promessas foram em vĂ£o. A omissĂ£o e a estreiteza polĂtica deram-se as mĂ£os para converter a norma constitucional em letra morta.
Emenda posterior Ă Carta prorrogou o compromisso atĂ© 2006. Em 11 anos, os avanços foram pĂfios. Resolver o problema em quatro, Ă© conquista difĂcil de ser alcançada.
Nada, porĂ©m, se resolve sem obstinaĂ§Ă£o e ousadia. NĂ£o se deve ignorar que tudo Ă© possĂvel, atĂ© os milagres.
AliĂ¡s, houve tempo em que os governantes acreditavam operar milagres. Depois se viu que as obras divinas nĂ£o passaram de delĂrios.
*O autor Ă© advogado.
Foto: FĂ¡bio Rodrigues Pozzebom/AgĂªncia Brasil