Por José Alcimar de Oliveira*
01. Aumenta o fosso entre o Estado Realmente Existente (EREx) e o Estado Democrático de Direito (EDD), que deveria ser o constitutivo ontológico da República Federativa do Brasil, conforme estabelece a Constituição de 1988, promulgada há 30 anos. Nenhuma trapaça pode por muito tempo malbaratar o real, que tem precedência ontológica sobre o legal. Nesse arremedo de República chamado Brasil, a dita República é para o povo uma miragem. Nossa República nasceu, se organizou e se amplia, desde 1889 até esses tempos de obscurantismo e arbítrio, de 2018, como um Estado Oligárquico de Privilégios.
02. De 1500 a 2018, de Álvares Cabral a Cabral Filho, nenhum governante, nenhum mesmo, chegou sequer a arranhar a estrutura oligárquica dessa República nunca de fato proclamada, e, se proclamada, nunca consolidada. Há 170 anos, em 1848, no Manifesto, Marx e Engels já haviam adiantado, 41 anos antes da dita proclamação, o real estatuto de nossa República de Poucos: o de um comitê administrativo dos interesses da burguesia. República sem Povo e contra o Povo é República Trapaceira.
03. Devemos aos gregos – não na forma do presente ofertado aos troianos – um legado imprescindível à democracia, e articulado em dois princípios: o da isonomia e o da isegoria, ainda que nos limites do excludente Estado Democrático Ateniense, que restringia o direito à cidadania a não mais que 10% da população. Guardadas as proporções e diferenças, e a seguir a linha da exclusão social ou da inclusão perversa, o nosso coeficiente democrático pouco avançou em relação ao da Atenas socrática.
04. Princípio da Isonomia, porque a universalidade da lei implica que todos, igualmente, a ela estão submetidos, nos direitos e nos deveres. A cidadania não pode ser dosada. Uns não podem ser mais cidadãos do que outros. Tal dosimetria tem algo de teratológico, conceito de corrente uso em nossa Suprema Corte. A isonomia é do estatuto do ontológico. É a totalidade do Povo Brasileiro, e não pequena parcela dele, que tem direito ao Estado Democrático de Direito. Do contrário, que se revogue o Art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil.
05. Princípio da Isegoria, sem o qual é impossível materializar-se o princípio da isonomia, porque é inerente à cidadania o direito de expressar-se de forma pública. Isegoria resulta da fecunda combinação de dois termos gregos Iso e Ágora. Igualdade e Espaço público (praça). Remete ao direito do cidadão de fazer uso político da palavra. Na base da isegoria está a ágora, a praça. É na praça que o povo pode desmontar as trapaças. Kant chamaria a isso de uso público da razão. Marx, de consciência de classe: quando a teoria, ao ser apropriada pelas massas, se transforma em força material.
06. Não há cidadania sem o sagrado direito ao esclarecimento. Kant chegava a tipificar de crime contra a natureza humana o fato de uma época tramar e conjurar para submeter a seguinte a condições que a impeçam de apropriar-se do esclarecimento. Para o circunspecto filósofo de Koenigsberg, o avançar no conhecimento sob a forma de Aufklaerung (esclarecimento) é uma determinação original da natureza humana. Lesar essa determinação “significa ferir e calcar aos pés os sagrados direitos da humanidade”.
07. Há 200 anos nascia Karl Marx. Há 100 anos nascia Antonio Candido. Há 50 anos irrompeu da luta o maio de 1968 na França, a resistência estudantil ao golpe civil-militar de 1964 no Brasil e Martin Luther King era assassinado em razão de sua luta pelos direitos civis da população negra dos Estados Unidos. O que faremos de 2018? Sartre admitia como necessário agir sem esperança, mas agir. E na sequência da afirmação sartreana, me permito completar: agir sempre, porque se alguma esperança for possível, será aquela que nasce do agir.
*O autor é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, base da ADUA-S.Sind., filho dos rios Solimões e Jaguaribe e devoto do Padim Ciço.