MinistĂ©rio dos Povos IndĂgenas: uma vitrine sem resultados
Conforme o autor, ao focar em aparĂªncias para o exterior, o governo esquece dos problemas reais enfrentados pelos indĂgenas do paĂs.

Por PlĂnio ValĂ©rio
Publicado em: 09/10/2024 Ă s 05:45 | Atualizado em: 09/10/2024 Ă s 09:55
No inĂcio do governo, o icĂ´nico Cacique Raoni subiu a rampa do Planalto na posse de Lula. JĂ¡ no mĂªs seguinte Ă posse, a ministra dos Povos IndĂgenas, Sonia Guajajara, mobilizou uma operaĂ§Ă£o envolvendo nove ministĂ©rios para sobrevoar a AmazĂ´nia e, com grande repercussĂ£o midiĂ¡tica, prometeu acabar com o genocĂdio dos yanomamis. Muitos acreditaram que o Brasil daria prioridade Ă pauta indĂgena. No entanto, o MinistĂ©rio dos Povos IndĂgenas, criado com grande expectativa, ainda nĂ£o apresentou resultados concretos para as comunidades indĂgenas do paĂs. Enquanto a ministra se destaca como uma das que mais utilizam jatinhos da FAB e participa de eventos internacionais, a pasta parece mais voltada a atender interesses estrangeiros do que a solucionar as reais demandas das populações indĂgenas.
Enquanto a titular do ministĂ©rio participa de conferĂªncias e eventos, sempre vendendo a misĂ©ria indĂgena em busca de dinheiro, os Ăndices sobre o aumento de mortes de yanomamis e outras etnias por subnutriĂ§Ă£o, suicĂdio e doenças endĂªmicas continuam alarmantes. As denĂºncias de corrupĂ§Ă£o na contrataĂ§Ă£o de serviços nĂ£o param, e as comunidades continuam enfrentando a falta de investimentos, oportunidades e atĂ© mesmo de condições bĂ¡sicas para a sobrevivĂªncia.
Somente em Manaus, segundo a Fiocruz AmazĂ´nia, 97% dos indĂgenas que vivem nas Ă¡reas urbanas da capital sobrevivem com menos de R$ 600 por mĂªs, o que os obriga a viver na mendicĂ¢ncia, sem acesso a polĂticas pĂºblicas adequadas, incluindo saĂºde. O levantamento revela que a maioria desses indĂgenas pertence a etnias do Alto Solimões, como os Kokama e SaterĂ©-MawĂ©, alĂ©m de indĂgenas do Alto Rio Negro, como os BarĂ©, Tukano e Baniwa.
No Alto Rio Negro, em SĂ£o Gabriel da Cachoeira, uma das regiões mais cobiçadas do paĂs por sua biodiversidade e riquezas naturais, o Estado se mantĂ©m ausente, deixando as comunidades indĂgenas sob a tutela de ONGs e refĂ©ns de uma polĂtica que nĂ£o garante o mĂnimo necessĂ¡rio para a sobrevivĂªncia. Nessa regiĂ£o, o Instituto Socioambiental (ISA), que utiliza o meio ambiente como grife, exerce influĂªncia sem solucionar os problemas bĂ¡sicos das comunidades, que continuam Ă mercĂª da prĂ³pria sorte.
Esse cenĂ¡rio foi descrito pelo indĂgena Armindo TenĂ³rio Pena, liderança Tukano de Pari-Cachoeira, em depoimento Ă CPI das ONGs, quando afirmou que nĂ£o hĂ¡ condições de bem viver nas comunidades enquanto nĂ£o houver transporte, comunicaĂ§Ă£o e internet nas escolas. Na mesma ocasiĂ£o, JosĂ© Lucas Lemos Duarte, da comunidade indĂgena TaracauĂ¡, relatou que os indĂgenas nĂ£o precisam mais estar submissos e alienados Ă s ONGs da regiĂ£o, que afirmam promover o bem-estar da populaĂ§Ă£o indĂgena, mas que, na prĂ¡tica, nĂ£o cumprem o que prometem.
Recebo, diariamente, diversas mensagens, cartas e ligações de indĂgenas de vĂ¡rias localidades do Amazonas. SĂ£o pedidos de oportunidade, de liberdade para serem donos de seus prĂ³prios destinos. Um exemplo Ă© a comunidade Castelo Branco, dos Baniwa, em SĂ£o Gabriel da Cachoeira, que deseja criar galinha caipira, plantar roçado e gerar renda, mas sĂ£o impedidos — segundo relatam — por Ă³rgĂ£os ambientais que os restringem de utilizar suas prĂ³prias terras para sustento.
O que as comunidades indĂgenas do paĂs realmente querem, e que estĂ¡ distante das prioridades do MinistĂ©rio dos Povos IndĂgenas, Ă© assistĂªncia tĂ©cnica, capacitaĂ§Ă£o, geraĂ§Ă£o de renda, oportunidades, saĂºde, transporte e um Estado presente para ajudar, nĂ£o para impedir, perpetuando uma situaĂ§Ă£o de misĂ©ria constante.
Ao contrĂ¡rio do que a ministra Sonia Guajajara promove, a polĂtica indĂgena do Brasil deve ser voltada para os interesses do paĂs e nĂ£o para servir de exibiĂ§Ă£o em eventos internacionais financiados por organizações bilionĂ¡rias que nĂ£o se importam com a realidade do Brasil. Para se ter uma ideia, desde janeiro de 2023, a ministra jĂ¡ esteve em 12 paĂses mundo a fora. No prĂ³prio organograma do MinistĂ©rio de Sonia hĂ¡ uma assessoria voltada para assuntos internacionais. NĂ£o devemos dar satisfações ao mundo; muito pelo contrĂ¡rio, temos muito a ensinar sobre preservaĂ§Ă£o ambiental. Ao focar em aparĂªncias para o exterior, o governo esquece dos problemas reais enfrentados pelos indĂgenas do paĂs.
Uma das prioridades da ArticulaĂ§Ă£o dos Povos IndĂgenas do Brasil (APIB), organizaĂ§Ă£o ligada Ă Sonia, Ă© lutar contra o Marco Temporal, um tema jĂ¡ decidido pelo Congresso Nacional e levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), como se o voto dos parlamentares eleitos nĂ£o tivesse validade. Se a simples garantia de terras fosse suficiente para resolver os problemas dos povos indĂgenas, nĂ£o verĂamos tantos indĂgenas abandonando suas comunidades e indo para as cidades em busca de oportunidades, onde se tornam refĂ©ns do alcoolismo, da mendicĂ¢ncia e da fome.
É necessĂ¡rio focar em ações que garantam oportunidades dentro das aldeias, ao invĂ©s de lutar por pautas globais distantes dos nossos verdadeiros problemas. O governo precisa priorizar a saĂºde nas aldeias, implementar polĂticas educacionais, investir na proteĂ§Ă£o das fronteiras — que Ă© tambĂ©m uma forma de proteger as comunidades indĂgenas contra criminosos —, garantir poços artesianos para fornecer Ă¡gua de qualidade, proteger a infĂ¢ncia indĂgena, gerar oportunidades de renda nas comunidades, oferecendo, por exemplo, barcos para transporte e casas de apoio nos municĂpios para que indĂgenas nĂ£o fiquem desabrigados quando vĂ£o Ă cidade. SĂ³ assim serĂ¡ possĂvel assegurar dignidade para essas populações. NĂ£o hĂ¡, no organograma do MinistĂ©rio, uma Ăºnica secretaria, por exemplo, responsĂ¡vel pela economia indĂgena, geraĂ§Ă£o de renda, agricultura indĂgena ou artesanato. NĂ£o se atualizar nesse sentido e ignorar a realidade do sĂ©culo XXI Ă© perpetuar a forma de 500 anos de isolamento, atrasos e negligĂªncias contra os povos indĂgenas.
As conferĂªncias internacionais e os gestores de fundos estrangeiros que o governo tanto busca agradar ignoram que, abaixo da floresta, hĂ¡ povos que sofrem, vilipendiados, carecendo do bĂ¡sico para sobreviver. Os indĂgenas nĂ£o precisam de tutela; eles querem viver com suas prĂ³prias forças e construir seus prĂ³prios caminhos. É para eles que o MinistĂ©rio dos Povos IndĂgenas deveria voltar suas atenções, para que possam viver com liberdade e nĂ£o para atender a imposições com a finalidade de agradar quem nĂ£o conhece a nossa realidade.
*O autor Ă© senador do PSDB pelo Amazonas.
Foto: Marcelo Camargo/AgĂªncia Brasil